quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

De Marte ou do Haiti?

Texto publicado em junho de 2006 no jornal Tribuna Livre de Viçosa
Tudo continua atual

Na última sessão da Câmara Municipal, realizada em 06 de junho de 2006, foi votada favoravelmente uma alteração da lei de Ocupação do Solo e Zoneamento de Viçosa para extinguir o afastamento de fundos de terrenos para uma grande parte da cidade. Embora o nosso parecer, juntamente com o do IPLAM fossem contrários, a Câmara julgou não haver nenhum perigo em aprovar a modificação. Só o tempo dirá se a decisão foi correta. O projeto foi aprovado por oito votos favoráveis, com apenas um voto em contrário.

Entretanto, nos incomodou profundamente a forma como fomos tratados – tanto o IPLAM como os professores da UFV – em um pronunciamento de um vereador, cujo nome não será citado (não é o primeiro a fazê-lo), bem como a passiva concordância dos demais presentes. O vereador comentou que propomos leis copiadas do primeiro mundo que não servem para Viçosa, que fazemos leis que servem para Marte mas não para nossa realidade. Foram comentários infelizes e agressivos. Há três aspectos que podem ser retirados da essência dessas declarações. O primeiro é que o vereador esqueceu que o PDV foi exaustivamente discutido e feito com ampla participação da população, de setores organizados e da própria Câmara. O segundo ponto é o que faz um vereador assumir publicamente que Viçosa não merece uma legislação de primeiro mundo? Isso nos leva a perguntar de qual mundo Viçosa merece uma legislação? Essa declaração mostra uma visão de inferioridade e reflete uma baixa auto-estima, pelo menos por parte do edil. Que tipo de pessoas este vereador representa com esta posição de inferioridade, esta aceitação passiva? Se merecemos uma legislação de Terceiro Mundo, como explicar os preços e os lucros de Primeiro – ou de fazer inveja aos capitalistas mais selvagens - que o setor imobiliário afere? Um terceiro aspecto é que o vereador parece desconhecer o que é uma legislação de Primeiro Mundo, em que as regras são muitíssimo mais exigentes, onde para se aprovar a construção de um prédio de vários pavimentos deve-se, dentre uma série de requisitos, ouvir a toda a população na vizinhança ou apresentar estudos de projeção de sombra nos arredores durante todas as estações do ano. O vereador parece desconhecer que também temos no Brasil uma legislação do nível do Primeiro Mundo, que é o Estatuto da Cidade, aprovado para corrigir aberrações urbanas como as que ocorrem em Viçosa.

Um último aspecto preocupante desse episódio é que em alguns meses chegará na Câmara um projeto de revisão do Plano Diretor, obrigatório para atender ao Estatuto da Cidade. Estarão presentes no projeto de lei instrumentos muito mais rígidos do que a limitação de uma determinada quantidade de pavimentos numa edificação. Um impasse se aproxima, pois as exigências do Estatuto, lei de Primeiro Mundo, não servem para Viçosa. Os munícipes não a merecem, já que têm de se submeter às leis impostas pela estúpida e suicida ganância do mercado imobiliário; têm de aceitar passivamente a ditadura de um setor que vai levando a cidade ao agravamento de problemas.

A Prefeitura de Viçosa e a UFV prepararão uma revisão obrigatória da legislação, a ser construída em conjunto com a população. Tais propostas de leis provavelmente esbarrarão em setores retrógrados que insistem em manter Viçosa em um processo de deterioração apenas para prevalecer interesses econômicos imediatistas, sem nenhum compromisso com o bem comum e com as futuras gerações. Enquanto isto, usam de artimanhas para colocar a população contra nossa atuação, acusando-nos de promotores do desemprego na área da construção civil. A ideologia daqueles que pagam muito pouco e ganham muito reverte o jogo, espalha um medo infundado e nos coloca como os sonhadores, como vilões a serem combatidos.

Vamos continuar a propor pelo menos algumas leis de “primeiro mundo”, porque acreditamos que assim deve ser a legislação urbanística para Viçosa, como para qualquer outra cidade brasileira. A prefeitura vai cumprir sua obrigação, mas antecipamos que poderá haver muita dificuldade na aprovação de medidas capazes de mudar os rumos desta pobre cidade.

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