sábado, 21 de maio de 2011

A fábula de Qualquerlândia


Qualquerlândia era uma cidade pequena, espremida entre muitas montanhas, num lugar quase esquecido pelo mundo, mas importante para alguns políticos lá da capital.


Quem mandava na cidade não era o prefeito, pois a cada toda hora havia um. Eram os fabricantes de caixotes, pois caixotes serviam para guardar coisas e guardar coisas era coisa muito importante. Então, quanto mais caixotes melhor. Os fabricantes descobriram que ganhavam mais dinheiro fabricando caixotes cada vez menores, mas em grande quantidade.


Na cidade tinha uma fábrica de sábios. Muitos sábios eram ali produzidos, mas quase nenhum ficava, pois ali não parecia ser lugar para sábios. Enquanto se fabricavam os sábios, os que ainda não eram sábios precisavam guardar seus livros nos caixotes por algum tempo. Não importava muito a qualidade dos caixotes, pois um dia, sábios, iriam embora. Aos poucos, os caixotes foram sendo empilhados até em cima dos leitos dos riozinhos. Não tinha problema, há muito tempo o riozinho não enchia até ali. Se precisassem, os fabricantes chegavam o riozinho para lá. Quando o vale encheu de caixotes, colocaram mais caixotes até o topo dos morros. Se precisasse, tiravam-se os morros. Tinha tanto morro que, mais um menos um, não tinha problema. Tinha tanta árvore que remover algumas dezenas não era problema.


Havia alguns dos sábios, menos sábios, que ali insistiam em ficar e azucrinar os fabricantes de caixotes que ocupavam tudo, desde as margens dos riozinhos aos topos dos morros. Aqueles queriam organizar o empilhamento de caixotes e impedir que os caixotes mais antigos, amplos e bonitos, fossem destruídos. Os fabricantes sempre queriam pilhas maiores e ficavam muito brabos quando os sábios quando queriam disciplinar a cidade e  alertar que não era possível guardar caixotes daquele jeito. Os prefeitos da ocasião, ainda menos sábios, apoiavam os fabricantes de caixotes.


Os fabricantes estavam muito satisfeitos, vendendo caixotes com nomes bonitos, até mesmo para alguns fabricantes de sábios. Pregavam aos quatro cantos que fabricar caixotes criava muitos empregos, e se não pudessem aumentar as pilhas, iriam embora fabricar caixotes em outro lugar. Mas também sabiam que em outro lugar não iriam vender tantos caixotes e a preços tão elevados. E lá ficavam fabricando mais e mais caixotes.


Sabiam que, quando seus caixotes enchessem de dinheiro, iriam embora de Qualquerlândia, deixando-a ao-deus-dará e à mercê dos fabricantes de sábios, que não saberiam onde eles e os sábios em fabricação colocariam suas coisas importantes. Eram tantos caixotes empilhados, tão próximos uns dos outros que não se chegava até eles. Mas todos sabiam que um dia, os caixotes, úmidos, mofados e muitos vazios, desabariam, ficariam inacessíveis ou seriam engolidos pela raiva dos riozinhos que se cansaram de serem estrangulados.


Era apenas uma questão de tempo.

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