quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Ética em chamas

Artigo publicado no jornal Tribuna Livre, de Viçosa, em 20/02/2013

Já se passaram algumas semanas após mais um evento que comoveu a nação.  Duzentas e trinta e nove pessoas morreram em decorrência de um incêndio em uma casa noturna. Foi especulado um conjunto de fatores que, combinados, levou à tragédia. Declarações absurdas dos possíveis responsáveis – representante do Corpo de Bombeiros, músicos da banda que soltaram os fogos, engenheiros responsáveis pela obra - tentavam eximir-se de culpa. O Corpo de Bombeiros lavou a mãos. O prefeito lavou as mãos, sugeriu revisão das normas. Os donos da boate lavaram as mãos, culpando o grupo musical.

O que aconteceu em Santa Maria não foi fatalidade. Todos os citados aqui são responsáveis pela tragédia. A Prefeitura Municipal, no entanto, é a maior responsável, pois ignorou, fez vista grossa face a tantos absurdos. Aprovou um projeto sem condições e falhou na fiscalização. Um ambiente como aquele não poderia sequer existir; qualquer Arquiteto e Urbanista sabe disso. Foi mal projetado, se é que tinha um projeto elaborado por profissionais. Inadmissível não ter saídas de emergência e áreas de escape. Normas técnicas e legislação municipal foram desobedecidas ou ignoradas em nome da ganância. Materiais baratos substituíram forros resistentes ao fogo. Havia extintores de incêndio, mas vazios. Os proprietários de boates colocam para dentro muito mais gente que a lotação permitida. Um absurdo a mais, incompreensível, é que algumas casas noturnas puderam funcionar amparadas por liminares judiciais, expedidas por quem jamais poderia admitir tal exceção.

O que matou e continuará matando tanta gente, o que, por um triz, deixa de matar mais a cada dia, é o tal do jeitinho brasileiro, travestido na corrupção, na ganância, na ignorância e na incompetência. Alguém chegou a culpar a legislação. Falou-se em criar novas leis mais rígidas. Já temos uma norma técnica brasileira - NBR 9077, de dezembro de 2001, que trata das saídas de emergência em edifícios – criteriosa, complexa e completa. Já temos bastante leis, federais, estaduais, municipais. Não precisamos de mais. Precisamos sim que elas sejam cumpridas. Mais leis não evitarão a corrupção que deixa tantas aberrações funcionarem.

Depois da tragédia, forças-tarefas de fiscais e técnicos municipais correram até as casas noturnas e fecharam muitas delas. Pelas notícias que vemos nos jornais de várias cidades, elas funcionavam há dez, vinte, trinta, quarenta anos! Elas colocaram em risco muita gente por tanto tempo, sem que as providências corretivas fossem tomadas.

Por isso que escrever sobre um assunto tão grave não tem hora. O risco do esquecimento é grande, pois logo virão novas tragédias, muito provavelmente como resultado da combinação entre desobediência às leis bem feitas, às normas técnicas irrepreensíveis, distribuição de propinas e liminares, no mínimo descabidas. Esquecemo-nos que, em 2001, fogos de artifício disparados durante um show provocaram um incêndio que matou 6 pessoas na sala Caneco Mineiro, na cidade de Belo Horizonte. Não havia saídas de emergência adequadas. Centenas de pessoas ficaram feridas. Vamos esquecer-nos de cobrar das autoridades os rigores das normas e da fiscalização e novas dores imensas virão. Lya Luft escreveu recentemente, em uma revista, um artigo sobre a tragédia (Dançando ladeira abaixo) e perguntou, pessimista: “onde esconderam os alvarás da moral e da ética?”

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