sábado, 9 de fevereiro de 2013

Tapa na cara


Toda vez que passo em frente aos prédios conhecidos como Carandiru, fico inconformado com aquelas duas coisas-lojas-trambolhos na entrada daquele arremedo de praça que restou como consolo à agressão ambiental. As duas lojinhas estão com placa de aluguel, ou provavelmente, a esta altura, já estejam alugadas, pois o ponto é nobre.  Levo, mais uma vez, um tapa na cara de quem invade, sem cerimônia, o espaço público com a conivência de quem deveria impedir. Creio que muito mais gente se sente ofendida.

A prática de permitir a invasão dos espaços públicos é muito comum, prolífica e antiga na cidade. A começar pela disseminação do uso das calçadas públicas como parte das rampas das garagens particulares. Seguem-se várias outras. Há quarteirões edificados com casas e prédios que um dia foram planejados para serem praças; rua fechada e ocupadas por posto de gasolina. Há conjuntos de lojinhas de comércio informal que ocuparam espaços públicos e se consolidaram como “shoppings” com nomes de ex-prefeitos. As iniciativas não param por aí e não há quem as impeça. As praças viraram local para colocação de mesas de bares e, mais recentemente, para disputas por espaços entre seus “donos”. Estacionamentos ocupam o que já foram passeios, jardins e praças. Prédios foram construídos nas faixas de domínio das estradas, da ferrovia, em cima do ribeirão São Bartolomeu ou do Córrego da Conceição. Prefeitos que passaram tiveram a chance, mas não foram corajosos de sequer tentar remover tais invasões. Quase sempre surgiam argumentos escorregadios, tais como a não intromissão no leito da linha férrea, pois não é considerado como área de responsabilidade do município. Às vezes os governantes se justificavam com motivos da preocupação em não gerar desemprego ou não perder votos. Nunca se preocuparam com o fato de que, quem perdia era a comunidade, os moradores da cidade, ou mesmo os comerciantes formais, penalizados pela alta carga de impostos.

As duas lojas, sem banheiros (o banheiro pode ser o próprio ribeirão?), cujo valor do aluguel é em torno de R$1.000,00, devem ter obtido alvarás de funcionamento com argumentos econômicos e politiqueiros, amparados por argumentos exclusivamente jurídicos, pois jamais os seriam sob argumentos estéticos, arquitetônicos, urbanísticos, ou mesmo do bom senso. Como Arquiteto e Urbanista, coloco-me como uma espécie de médico da cidade e percebo, preocupado, assustado, indignado, os males que fazem sofrer a nossa cidade. As invasões dos espaços públicos são comparáveis aos que os carrapatos, lombrigas, tênias, ácaros, bernes, piolhos, ácaros representam para os corpos humanos, ou seja, são indesejados, desconfortáveis, dolorosos, maléficos ou, até mesmo, crônicos. Fica muito difícil explicar a um estrangeiro - e são muitos que aqui vêm - como é que deixam isso acontecer, ou por que uma cidade que abriga uma UFV não se beneficia do saber nela produzido.

No entanto, os males apresentados podem ser tratados, alguns fácil e rapidamente; outros dependem de coragem, capacidade técnica, tempo e planejamento. O importante é devolver a saúde e qualidade de vida ao organismo antes infectado e usar a prevenção para impedir outras reinfecções, pois o organismo urbano é frágil e exposto a todo tipo de ataque. Quem vai se habilitar a tratar deles?

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