27 agosto 2012

Pequenas cidades criativas - quando tamanho não é documento


Importante texto:
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Ana Carla Fonseca

Pense rápido: que nome lhe vem à mente, quando alguém lhe diz "cidade criativa"? Barcelona, Londres, Nova York? Ou, com certa relutância mas bom nacionalismo, São Paulo, Rio de Janeiro, Recife? Chamo para o debate as singelas Cataguases, Piraí e Maria da Fé - cidades reduzidas na escala, mas grandes na capacidade de se reinventar, inovar e transformar seu contexto.

Levante a mão quem, algumas linhas acima, imaginou a criatividade urbana sob a forma de prédios de arquitetura arrojada, equipamentos culturais tão atraentes por fora quanto por dentro, longas ciclovias e lojas de todo gênero. Tudo isso forma a criatividade, certo? Errado. Os espaços construídos (ou não) são o hardware que sustenta fios muito mais sutis, compostos por pessoas e por suas interações com os outros, com o ambiente, com o contexto em que se inserem. Espaços públicos, mobilidade eficaz e canais de comunicação com o mundo são instrumentos para catalisar a criatividade e reforçar o tecido social, mas criativas são as pessoas, não a infraestrutura. Quão mais criativos forem os habitantes de uma cidade, mais criativa a cidade será. Quão maior a diversidade no espaço urbano - de pontos de vista, posicionamentos, atitudes -, mais propensa à criatividade ela será.

Assim com suas irmãs de maior porte, muitas pequenas cidades, mundo afora, utilizam sua criatividade para resolver problemas e vislumbrar o que outros não viam. Por desconhecimento geral de suas histórias e feitos, as pequenas cidades criativas não costumam aparecem em nosso radar. Mas, quando se apresentam, revelam uma fonte pródiga de inspirações.

Que me seja testemunha Paraty, talvez a mais conhecida das pequenas cidades criativas brasileiras. Sede de um porto de capital importância durante o ciclo do ouro, berço de comércio e manancial de tradições, festas e manifestações - das procissões marítimas à destilação da cachaça, dos ofícios de marinharia às casas de farinha -, Paraty caiu em esquecimento por várias décadas. Até que, com a construção da Rio-Santos, essa pérola barroca voltou a se revelar aos olhos do mundo. Primeiro, aos dos artistas como Paulo Autran e Maria Della Costa, personagens emblemáticos de nossa cultura e ímãs de atenção da sociedade. Depois, dos turistas que se encantavam com uma cidade tão autêntica e culturalmente colorida. Aos poucos, o patrimônio arquitetônico foi passando para as mãos dos forasteiros; enquanto o patrimônio imaterial permanecia recluso à comunidade local.

A tensão em uma cidade de centralidades cindidas e a visão devastadora do que havia ocorrido com as cidades vizinhas levaram Paraty a perguntar o que gostaria de ser em um futuro cada vez mais próximo. Como "desculpas" para esse processo de reunião da cidade e apropriação de sua trajetória por parte da população surgiram a ONG Casa Azul, o Comitê Gestor da Cidade e, encarapitada como a ponta do iceberg desse processo de transformação, a Flip - Festa Literária Internacional de Paraty.
Assim como a Flip, o Festival de Jazz e Blues de Guaramiranga não é organizado apenas na cidade, mas sim pela cidade. Se uma cidade criativa se reinventa continuamente (qualquer semelhança com empresas criativas ou pessoas criativas não é mera coincidência), desenvolver a autonomia, a responsabilidade e o engajamento da população com seu espaço é crucial. Tantos eventos culturais, sazonais e avassaladores, aterrissam em uma cidade como discos voadores refratários à população local, zarpam dias depois e deixam, além da grama machucada, uma sensação terrível de exclusão.

Pois a pequenina Guaramiranga, a 100km da capital cearense, resolveu que podia se valer de suas singularidades para se apresentar ao mundo, desenvolver uma nova estratégia socioeconômica e oferecer oportunidades à comunidade local, para que esta não fosse obrigada a migrar. Por décadas residência de verão das famílias abastadas de Fortaleza, integrante do maior polo produtor de café do estado, Guaramiranga perdeu seu protagonismo quando o dinheiro mudou de mãos e os pés de café deixaram de manter a economia de pé.

No imaginário coletivo, porém, os ecos desses tempos de fausto e brilhantismo, de saraus, tertúlias e serestas, persistiam. Cantos, danças e representações permaneciam teimosamente presentes durante os períodos de semeadura e colheita. A economia, porém, não encontrava alternativas de desenvolvimento; e a população de cinco mil habitantes, sobretudo a jovem, era em grande parte fadada a migrar por falta de escolha. O Festival de Jazz e Blues de Guaramiranga, idealizado pelas produtoras Rachel Gadelha e Maru Mamede, surgiu como um farol de ânimo e uma carta náutica conducente a uma nova trajetória. Com grande impacto econômico, social, turístico, ambiental e cultural, o Festival é organizado pela Associação dos Amigos de Guaramiranga e conseguiu incluir Guaramiranga no circuito de música instrumental do mundo.

Assim como as empresas vicejam em um ecossistema no qual as pequenas, médias e grandes se complementam e reforçam, as pequenas cidades criativas dialogam com as grandes e contribuem para os fluxos de criatividade e inovação. As cidades criativas, do tamanho que forem, são capazes de oferecer grandes inspirações para transformar a propalada criatividade do brasileiro em riquezas econômicas, sociais, culturais e urbanísticas. E o melhor disso é que temos 5.565 cidades à disposição da criatividade brasileira.


Ana Carla Fonseca é economista e urbanista, consultora e palestrante internacional pela Garimpo de Soluções

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