domingo, 26 de abril de 2020

CIDADES-ESPONJA


Uma zona úmida (wetland) em área urbana, que também funciona como parque. 

Artigo publicado no jornal Folha da Mata, em 24/04/2020.

Com as mudanças climáticas em evidência, precisamos rever como estamos ocupando nossas cidades. Os meteorologistas deram o alerta de que atmosfera está mais aquecida e essa é a tendência para as próximas décadas. As inundações têm sido mais frequentes, pelo maior número de chuvas volumosas, pelo excesso de impermeabilização do solo, pela canalização dos cursos d´água e pelos movimentos sem controle de terra. No período de estiagem, falta-nos água. Os estragos físicos e as perdas sociais têm sido cada vez maiores. No Brasil, morrem mais de 600 pessoas por ano em decorrência desses acidentes, e o prejuízo ultrapassa os R$600 milhões de reais. Simplificando, a cada ano, nossas cidades causam enchentes e secas. No mundo inteiro, cientistas e arquitetos, cientes das mudanças climáticas, têm se empenhado em busca de soluções. Uma dessas é o que chamamos de cidades-esponja.

As cidades-esponja se caracterizam por criar e por oferecer meios de absorver o máximo a água da chuva e por permitir que ela siga seu fluxo natural. O conceito é dar tempo para a água ser absorvida. Possuem um sistema adequado capaz de coletar, de armazenar e de tratar das águas pluviais. Isso é feito ao criar zonas úmidas, tornar solos permeáveis e recuperar margens de rios. O conceito de cidades-esponja já foi implantado na Alemanha e, mais destacadamente, na China, onde estão construindo 16 cidades-esponja e estão adaptando essas soluções em outras 250 cidades.  A intenção é criar cidades com menos asfalto, com menos concreto, com  mais lagos, com mais parques e com mais vegetação. Isso pode ser feito de várias maneiras.

Uma dessas maneiras é a cobertura verde, ou seja, em vez de telhados, jardins com vegetação, hortas e até pomares. Outra é a coleta de águas pluviais, o que começa a ser uma prática comum.  Em muitas cidades já existem vários prédios que, em suas fachadas, possuem jardins verticais. Há também as fazendas urbanas que se multiplicam nas cidades desenvolvidas.

As wetlands, ou zonas úmidas, são as áreas com transbordamento de rios, os quais atuam como amortecedores naturais de água da chuva (como pântanos e brejos). Áreas naturais úmidas são de grande importância para anfíbios e para espécies de libélulas, sem contar que são um terreno fértil para muitas espécies de aves. As zonas úmidas são criadas para proteger parte do escoamento da precipitação e para diminuir a taxa que as águas escoam.  Há também as quadras esportivas que podem funcionar, quando necessário, como piscinões, os quais retardam o escoamento de grandes precipitações. Praças-piscina e parques alagáveis têm o mesmo princípio. Outra solução e a de usar pavimentos permeáveis nas vias e nas calçadas. Qualquer área urbana, por mínima que seja, pode funcionar como um jardim-de-chuva, em solo natural, para que a água seja absorvida.

Embora essas práticas ainda pareçam distantes das nossas cidades, elas deverão ser incorporadas ao planejamento urbano, à requalificação de áreas urbanas e suburbanas. Algumas são soluções de simples execução e com baixo custo; outras deverão ser inclusas na legislação urbanística. As mudanças climáticas estão aí, por isso é necessário começarmos a colocar as ideias em prática, para trazer mais segurança, para salvar vidas e para impedir enormes prejuízos materiais.



sexta-feira, 24 de abril de 2020

FÁBULA DE PINDORAMA

Ilustração de Marcela Santana


FÁBULA DE PINDORAMA 

Uma das fábulas do meu livro "Fábulas urbanas e outras lições sobre as cidades".

Há muito tempo, em Coropó, que era uma das tantas aldeias do reino de Pindorama, aconteceu uma grande manifestação pública contra a administração do alcaide. O povo estava muito descontente, principalmente, com a falta de emprego e com problemas de saúde. Havia gente carregando enormes faixas de protesto e batendo panelas. Nessa grande manifestação, o povo queria invadir a sede da Prefeitura e linchar o alcaide. Os policiais tentavam impedir atos mais violentos, até que não conseguiram evitar que a grade do jardim da Prefeitura fosse arrancada e jogada ao chão.

Desesperado, o alcaide resolveu aparecer no balcão do segundo pavimento, antes que invadissem o prédio, e tentou acalmar a horda para poder falar. Quando conseguiu acalmar um pouco a situação, depois da chuva de palavrões, tomates e ovos podres, bradou:
- Vou dar para vocês empregos de sub-assistente administrativo, quatro horas diárias!
Jogou vários formulários para cadastro e houve uma pequena confusão para alguns conseguirem os seus futuros salariozinhos.
Uns poucos se calaram e foram embora do protesto. Mais calmo, o alcaide continuou:
- Vou liberar as regras de construção e vocês poderão construir onde e como quiserem! Vou regularizar as obras!
- Isso mesmo! A construção civil é o nosso carro chefe da economia! Bradavam os construtores gananciosos.
Então, mais uns se satisfizeram e, calados, partiram. Animado, o alcaide continuou:
- Vou dar para vocês alguns atestados médicos para que sejam encostados na Previdência Social! É só preencher os papéis e me entregar!
Jogou vários e houve uma grande confusão para as dezenas de pessoas conseguirem os atestados.

Continuando, o alcaide prometeu distribuir fichas de vacinação, bolsas de estudos, cestas básicas, vales-transportes, sacos de cimento, tijolos, gasolina para taxistas (tudo por intermédio de edis e deputados correligionários), consultas médicas na capital (por meio de deputados co-partidários). Depois de tantos agrados, a manifestação acabou por falta de gente, e uns poucos que ficaram até aplaudiram o alcaide. Somente uns cidadãos chatos reclamaram que não era assim que se governava uma aldeia. Cobravam do alcaide ações incompreensíveis para ele e seus assessores, como planejamento, gestão urbana, bem comum ou ações de longo prazo. Esses foram tocados com cassetetes pelos policiais.

Os empregos oferecidos não exigiam experiência, nem mesmo a presença do funcionário na repartição. Só de motoristas havia doze para apenas dois veículos; na recepção tinha treze porteiros para apenas uma mesa. Assim também sucedia com os inúmeros encostados satisfeitos, que só precisavam fingir de doidos ou se automutilarem para prorrogar as licenças nas avaliações de rotina. A aldeia crescia com as obras ocupando passeios, margens de córregos e encostas. As casas populares eram construídas no bairro Onde Judas Perdeu as Botas, enquanto vários lotes dos bacanas permaneciam vazios.

Assim a população de Coropó foi levando a vidinha mais ou menos, com cada um resolvendo seu interesse particular e ganhando uns mimos do alcaide. O alcaide da vez e os alcaides seguintes não atraíram indústrias, não melhoraram nada na aldeia. A aldeia foi ficando cada vez mais pobre, endividada, com vários problemas ambientais (enchentes, desabamentos, falta de saneamento, escassez de água), enquanto os mandatários acumulavam dinheiro. Esses afagos e oferendas não aconteciam apenas em Coropó, havia em todas as aldeias do reino de Pindorama, que ficava cada vez mais pobre, sem desenvolvimento, sem esperança, além dos muitos problemas ambientais criados com o processo equivocado de urbanização.

Até que, muitos, muitos anos depois, numa aldeia chamada de Pataxó, um alcaide e seu vice foram cassados; o presidente da Câmara Municipal morreu e o vice-presidente da Casa Legislativa subiu ao cargo de mandatário do condado. Teria três anos de governo.  Era uma pessoa estudada – engenheiro civil concursado pelo Departamento Real de Estradas. Tinha umas ideias esquisitas para a maioria, mas se abriu para ele uma janela de oportunidades. Era considerado um tanto visionário para muitos aldeões, mas era honesto. Cercou-se de secretários competentes.

Depois que assumiu o cargo, ganhou muitos inimigos, acabou com os empregos de cabide, acionou a justiça para acabar com os inúmeros encostados sem justificativa. Quase foi assassinado. Recebeu uma Prefeitura endividada com a Previdência Social; nem mais sede própria tinha,  nem prédios, nem equipamentos. Mas aplicou bem o pouco dinheiro da receita de Pataxó e, aos poucos, sanou as dívidas. Resolveu ouvir seus assessores:
- Alcaide, faça planos e projetos! Há recursos do Reino para isso, só que ninguém os busca!

Ia sempre à sede do reino, levando vários planos e projetos. Conseguiu, aos poucos, recursos para executá-los. Conseguiu coletar e tratar os esgotos; restaurou a antiga Estação de Trem; recuperou praças; promoveu eventos culturais com artistas locais; forneceu assistência técnica aos produtores rurais; capacitou os técnicos da aldeia. Começou a reflorestar grandes áreas e a recuperar nascentes e matas ciliares. Implantou casas populares em lotes no meio das casas já existentes; exigiu e cobrou que os donos dos terrenos vazios os ocupassem ou os vendessem. 

Antes de concluir seu mandato, conseguiu atrair várias pequenas indústrias para o município e, com isso empregos de verdade foram criados. Enxugou a máquina administrativa, criou conselhos municipais que o ajudaram a governar. Conseguiu trazer cursos superiores e técnicos e pagava bem os professores. No entanto, passou por várias crises com manifestações da população:
- Queremos nossos empregos de volta!
Diziam os que não gostavam de trabalhar.
- Precisamos nos “encostar”, pois não temos condições de trabalhar! Bradavam os mal acostumados com a prática ilegal.
- Queremos construir mais, mas com as regras que o senhor impôs, só vai aumentar o desemprego na aldeia!
 Diziam os construtores que pagavam mal aos seus empregados; que construíam em qualquer lugar e só pensavam em obter mais lucros com seus predinhos.
- Precisamos vacinar a população!
 Diziam os edis que antes distribuíam vacinas sob uma disfarçada chantagem eleitoral!

O alcaide tinha muitos apoiadores e muitos adversários. Breve chegaria uma nova eleição em Pataxó. O alcaide engenheiro iria tentar a reeleição. Achava importante dar sequência aos planos de melhorar a aldeia. Mas havia uma forte oposição conservadora, que queria os seus bons tempos de volta. A disputa seria muito difícil, com muitas intrigas, acusações falsas, promessas falsas, dossiês e conchavos para derrubar o alcaide. A ética não seria considerada pelos inimigos políticos, e o risco de retrocesso pairava como nuvens muito escuras e relâmpagos no horizonte.

Quem seria o escolhido pela população para governar Pataxó?



quinta-feira, 23 de abril de 2020

INSTITUTO RICARDO BRENNAND - RECIFE

Atração imperdível no Recife.
O Instituto Ricardo Brennand possui uma impressionante coleção de milhares de itens - pinturas, esculturas, ferramentas, armas, e uma biblioteca com mais de 60.000 volumes.

O edifício principal.

Arquitetura única em meio a um lindo parque.

Varanda com esculturas.

Salão das armas.Mais de 3.000 peças de armas brancas.

Entrada Salão de Exposições. Arquitetura única.

Fotos Ítalo Stephan, fevereiro de 2020.

quarta-feira, 8 de abril de 2020

JUIZ DE FORA EM TEMPOS DE COVID-19

Rua Halfeld, centro de Juiz de Fora, dia 7 de abril de 2020. Multidão convivendo com o Covid-19 .
Lamentável. 

URBANISMO CONTRA EPIDEMIAS


Precisamos repensar e refazer nossas cidades.
Leia o texto
O exemplo de Barcelona

Foto e texto:
https://sustentarqui.com.br/urbanismo-contra-as-epidemias-o-exemplo-de-barcelona/?fbclid=IwAR0pWJCyBHb2TRd9QDsW8K0D8NjmmRgESCBwOwxWXaNX90f4DS1EnAE4pZw


domingo, 5 de abril de 2020

PRÉ APOCALIPSE?


Artigo publicado no jornal Folha da Mata, em 03/04/2020, versão virtual.

Escrevo este artigo em casa, cumprindo quarentena juntamente com minha esposa. Minhas filhas moram em Juiz de Fora, portanto, estamos fisicamente isolados, e os contatos têm sido de forma virtual. Quantos milhões de pessoas estão nessa situação? Quantos outros milhões estão em situação mais desesperadora?  Estamos apenas no começo de uma situação que não imaginamos como vai desdobrar e terminar.  Cada um de nós está preocupado e ansioso com o futuro. Estamos com medo, rezando, orando, meditando ou torcendo para que os danos sejam os mínimos possíveis. Estamos com preocupação de como vamos nos sustentar com a economia em recessão.

Acompanhamos as notícias com atenção. Temos orientações de como lidar com essa situação única. Infelizmente, há notícias falsas, curas milagrosas, teorias da conspiração e, mais uma vez, o acirramento do ódio. Assistimos com consternação às estatísticas de contágios e de mortos e, com horror, à postura dos grandes líderes neopentecostais ao desdenharem do poder desse novo vírus. Por outro lado, assistimos com alento às iniciativas de ajuda e dos esforços dos profissionais da saúde e da limpeza urbana. Devemos sinceros agradecimentos a eles, os que correm mais riscos para tratar dos pacientes e de nossos lixos.

Governadores e prefeitos estão tomando as medidas duras, mas necessárias. No governo federal, apesar do presidente, felizmente há um grupo de competentes técnicos no Ministério da Saúde. Mas esses profissionais devem estar sofrendo pressões pesadas por parte de quem nesses deveriam confiar. Assistimos com estupefação às atitudes repetidas do governante maior dessa nação, as quais prejudicam em muito, tanto pela postura irresponsável no que se refere à pandemia, quanto no prejuízo à imagem do país, ao repelir qualquer chance de passarmos confiança para investidores estrangeiros. Um governo que não governa, apenas atribui a culpa aos órgãos internacionais, aos órgãos não governamentais, aos ex-governantes, aos governantes de países desenvolvidos, aos professores, aos cientistas, aos meios de comunicação que não estão alinhados com ele. Enfim, para o presidente todos estão errados e conspiram contra o governo. A recente estratégia do capitão é esquizofrênica, ao apostar alto nos dois lados.  É cruel e absurda, com consequências ainda mais imprevisíveis.  O governo toma uma decisão junto à equipe econômica e insufla o povo à desobediência civil, com argumentos sem nenhum fundamento científico.  Também soa mal a postura de alguns políticos de acharem que uma ou outra figura está aparecendo demais e que isso pode atrapalhar suas expectativas políticas para as próximas eleições.

Vivemos um tempo de extremos, de panelaços contra o governo e de aplausos para os profissionais da saúde. As ações do Estado têm de ser firmes e unidirecionais para minimizar as consequências dessa pandemia. Não há decisões fáceis.  Devemos sempre ficar do lado da ciência. É tempo de ter serenidade, compreensão, calma e de cada um fazer sua parte. É preciso acompanhar a situação, ser criativo em como lidar com o dia a dia. É tempo de refletir sobre nossas vidas e sobre o que devemos fazer melhor; um tempo para repensarmos nossos futuros individual e coletivamente. Realimentar o ódio e infringir as recomendações dadas e medidas cautelosas adotadas pelo mundo inteiro só podem piorar a situação. Estratégias divergentes não ttraz vencedores.  Oxalá o mundo saia melhor dessa crise?

sábado, 4 de abril de 2020