Artigo publicado no jornal Folha da Mata, Viçosa-MG, em 16 de maio de 2024.
Estamos vivenciando mais uma tragédia ambiental a superar em amplitude as demais como as de Petrópolis (2022, com 235 mortes), Região Serrana do RJ (2011, com 900 mortes) e litoral Paulista (2023). Desta vez atingiu, com uma força inédita, gigantesca, praticamente um estado inteiro, e os prejuízos, as mortes e as consequências ainda estão sendo contabilizados. Ainda temos de engolir absurdos. Não, não foi o show da Madona (acusada de satanista) o culpado pelo que aconteceu no Rio Grande do Sul. Não foi a ira do demônio que ocasionou tantos dramas; foi a contínua teimosia e a ignorância dos humanos que potencializaram os estragos.
Mais uma vez, após cada tragédia, os telejornais inundam seus horários com opiniões de especialistas da área ambiental, da engenharia ou do planejamento urbano. Esses especialistas são muitas vezes vistos como curiosidades, cientistas folclóricos, ecochatos, inteligentes, mas um tanto exagerados. Esses vêm repetindo, sem serem levados a sério, sobre a falta planejamento, de controle do uso do solo e da falta de fiscalização; apontam a existência de leis e, ao mesmo tempo, a negligência irresponsável dos governantes. É um ciclo ininterrupto: tragédia, opiniões dos especialistas, esquecimento, volta ao normal... tragédia, opiniões dos especialistas, esquecimento, volta ao normal...
O país tem um aparato legal desde 1965, com o Código Florestal Brasileiro (Lei nº 4.771, de 15 de setembro de 1965), alterado pela Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012, que possibilitou uma perigosa flexibilização da legislação ambiental. As modificações na nova redação tiveram nítido caráter de abrandamento da preservação ambiental e de satisfação aos interesses econômicos. Consequentemente, tais alterações tornam significativamente mais vulneráveis as áreas de preservação permanentes – APPs - situadas em zonas urbanas. Essas APPs, que determinam a proteção dos cursos d’água, são ignoradas; as cidades crescem sem respeitá-las, eventualmente com uma ou outra inundação, logo esquecida pela população, pelos prefeitos e pela imprensa. Basta abrir o Google Earth e ver como nossas cidades cresceram às margens dos rios, às vezes, estrangulando-os, escondendo-os sob ruas e construções. Nossa ampla legislação urbanística (lei Federal 6766/79, planos diretores, leis de uso do solo, códigos ambientais) são sistematicamente reféns de um falso progresso.
Enquanto as tragédias ambientais aumentam em número e intensidade, como alertam os especialistas, em direção oposta estão os legisladores e gestores dos municípios. Esses comandam alterações nas leis de forma a permitir a invasão dos leitos dos cursos d’agua pelas construções; eliminam a exigência de preservar os topos de morros. Esses são caminhos suicidas, abomináveis, que custarão caro. Se insistirem nessas direções serão os responsáveis por tragédias com mortes. A natureza, alterada pela ação humana, vai continuar a responder por isso. Essa flexibilização inacreditável das regras ambientais vai matar cada vez mais gente. Governantes, por favor levem os especialistas a sério, considerem seus conhecimentos para serem aplicados na prevenção, no planejamento, porque a natureza machucada como está não vai dar trégua. Onde será o próximo “Rio Grande do Sul”. Não se sabe, mas ele vai acontecer. Meus sentimentos ao gaúchos, que eles se recuperem e reconstruam seu estado de forma preparada para enfrentarem o radical novo normal. E que nós, que escapamos desta vez, aprendamos com a sábia ciência.
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