Temas de discussão: Arquitetura e Urbanismo. Planejamento Urbano. Patrimônio Histórico. Futuro das cidades. Pequenas e médias cidades. Architecture and Urban Planning. Heritage. The future of the cities.
30 outubro 2025
26 outubro 2025
TRANSFORMAÇÕES DO PATRIMÔNIO
Artigo publicado no jornal Folha da Mata, Viçosa, MG em 23 de outubro de 2025.
As edificações devem ser feitas para perdurar por décadas, mas nem sempre mantêm seus usos originais, pois precisam se adaptar para permanecer. A chave para a longevidade das edificações é a adaptabilidade. Ao percorrer nossas cidades, podemos observar muitas construções que se ajustaram às exigências do tempo. Infelizmente, muitas foram perdidas para sempre. Não trato aqui da qualidade com que isso ocorreu em algumas delas. É importante ressaltar que o município, assim como os munícipes, tem a obrigação de protegê-las. Em Viçosa, há muitos exemplos a destacar.
Podemos começar pelas edificações do Campus da UFV. Destaco como qualidade o conjunto de estilos que vão do colonial, passando pelo eclético (prédios iniciais), pelo Art Déco (sede do curso de Economia Doméstica e, agora, de Serviço Social), pelo modernista (sedes de Engenharia Florestal, Engenharia Agrícola e Economia Rural), pelo pós-moderno (Departamento de Arquitetura) até o contemporâneo (sedes da Agronomia e das Licenciaturas). O Edifício Arthur Bernardes, o principal da instituição, já abrigou laboratórios, salas de aula, sedes de departamentos e até uma agência bancária. Atualmente, acolhe as diretorias de Centros e as Pró-Reitorias. A Reitoria foi residência de P. H. Rolfs. O Departamento de Arquitetura e Urbanismo já foi alojamento (Fazendinha) e sede da banda da UFV. Parte do Departamento de Educação Física já funcionou como estábulo.
Na cidade, a residência de Arthur Bernardes é hoje um museu a ele dedicado. A Estação Cultural Hervê Cordovil (nosso patrimônio musical) foi estação ferroviária, fundada em 1914, com armazém e residência de funcionário. Parte dela transformou-se em um auditório muito disputado (atualmente em reforma), e outra parte abrigou a biblioteca municipal, até ser desalojada por um órgão público estadual. O Hotel Rubim, que teve sua fachada restaurada, receberá lojas comerciais. O Edifício Alcântara, em processo de tombamento e de estabilização estrutural, já foi agência bancária, loja de plásticos e bordel. A Escola Edmundo Lins já foi cadeia. Residências transformaram-se em salões de festas, portarias de edifícios, restaurantes, escritórios e lojas. A antiga estaçãozinha do Silvestre virou espaço cultural. O prédio que por muitas décadas abrigou a sede da Prefeitura e da Câmara Municipal teve também espaços destinados à Secretaria de Cultura e, por um curto período, à Biblioteca Municipal. Esta infelizmente foi desalojada, e agora tem parte espremida em um porão insalubre, e parte novamente encaixotada.
Graças a essas possibilidades de adaptação ao tempo, as edificações que compõem nosso patrimônio arquitetônico e cultural, de várias épocas distintas, estão vivas, espalhadas pelas cidades, misturadas a construções de diferentes estilos e períodos. Isso é ótimo, é um verdadeiro palimpsesto, um registro de nossa trajetória ao longo do tempo. Esses bens têm valor incalculável para a identidade local e todas as condições de perdurar para as futuras gerações. O Conselho Municipal do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental de Viçosa (COMPATH) tem a obrigação de zelar por esse patrimônio arquitetônico de valor indiscutível. Tem estudado formas de oferecer compensações por meio de isenções de taxas municipais, o que depende da aplicação (e ampliação do âmbito) do Art. 55 do Código Tributário Municipal. Há ainda um instrumento mais vantajoso, previsto no Plano Diretor de Viçosa de 2023, que aguarda regulamentação: a Transferência do Potencial Construtivo (ou Transferência do Direito de Construir), economicamente favorável aos proprietários que cuidam bem de seus imóveis legalmente protegidos pelo município; mas essa é uma medida que depende do prefeito. Ganhamos todos nós com isso: em memória das pessoas do passado, da gente de agora e em prol das pessoas do futuro.
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Artigo publicado no jornal Folha da Mata, Viçosa-MG, em 2 de outubro de 2025
José mora num bairro afastado de uma cidade média. É um cadeirante, teve pólio quando criança, mas graças a Deus sua cadeira é motorizada, o que lhe permite sair de casa e trabalhar, com algumas dificuldades, mas as enfrenta mesmo assim. Participou da elaboração do Plano de Mobilidade da cidade; até foi escolhido delegado em uma das reuniões públicas realizadas. Depois foi a todas as reuniões, até quando o Plano foi aprovado. Viu como é difícil lidar com uma cidade cheia de morros, com ruas estreitas, muito inclinadas, com passeios sem continuidade, com rampas de garagem invadindo a rua, com calçamento de pedras fincadas.
Trabalhou um tempo na prefeitura. Ajudou a mapear onde moravam todos os cadeirantes da cidade. Isso ajudou a desenhar uma política para as pessoas com deficiência. O Plano lhe encheu de esperança, mas a sua implantação tem demorado. A cidade tem até um conselho municipal de pessoas com deficiência. Algumas ações começaram a sair devagar do papel, como a melhoria de pontos de ônibus, mas por enquanto as obras nas calçadas estão sendo feitas apenas na área central da cidade.
Quase sempre José tem que andar na rua, disputando perigosamente espaço com carros e os mal-educados motoqueiros. Isso porque não há calçadas contínuas, quase todas têm degraus ou rampas para as garagens. Poucas ruas possuem calçadas com sinalização tátil direcional e de alerta, o que é ruim para os que têm deficiência visual. José pensa também nas outras pessoas que têm alguma restrição de mobilidade ou de visão, temporárias ou não. Vê as dificuldades das mães levando carrinhos de bebê, dos idosos com andadores. Já viu pessoas idosas tropeçarem ou torcerem os pés, em quedas muito feias.
José não consegue entrar numa loja sem o constrangimento de pedir ajuda. Algumas lojas fizeram rampas de forma errada, feitas só para constar. Às vezes deixa de ir ao banheiro, outras vezes tem que dar um jeito de ir depressa para casa, por falta de acessibilidade nos banheiros em órgãos públicos e no comércio. Outro dia precisou ir à UPA, tentou ir sozinho, mas foi uma aventura que não quer repetir. Lá existe uma rampa, mas é muito inclinada e escorregadia; só subiu onde a calçada era mais baixa, empurrado por um filho de Deus. Precisou atravessar a rua, mas não havia rampa, só conseguiu, desta vez, empurrado por um conhecido.
José vê mais ações voltadas para soluções viárias, para os automóveis, como trevos nas avenidas, recapeamentos, semáforos. Acha isso importante também, mas em geral os governantes aplicam seus esforços nos problemas de trânsito de veículos. Vê que dão uma importância danada à empresa de transporte coletivo. Mas acha que a empresa não faz muito certo, não. Na época de rever o valor da passagem os ônibus sumiam, quem precisava do transporte sofria muito. Depois que o prefeito dava o aumento, os ônibus reapareciam, mas aí os passageiros sumiam, pois não conseguiam pagar. Os prefeitos dão pouca importância aos cadeirantes, aos que passam por dificuldades motoras e aos com deficiências visuais; esses são invisíveis, presos, imobilizados em casa ou em suas cadeiras de rodas. Para José, parece que deixam cada um de nós nos virarmos, e nós vamos ficando por último, esquecidos. Mesmo assim, José só não perde as esperanças de dias melhores.








