Artigo publicado no jornal Folha da Mata, Viçosa-MG, em 2 de outubro de 2025
José mora num bairro afastado de uma cidade média. É um cadeirante, teve pólio quando criança, mas graças a Deus sua cadeira é motorizada, o que lhe permite sair de casa e trabalhar, com algumas dificuldades, mas as enfrenta mesmo assim. Participou da elaboração do Plano de Mobilidade da cidade; até foi escolhido delegado em uma das reuniões públicas realizadas. Depois foi a todas as reuniões, até quando o Plano foi aprovado. Viu como é difícil lidar com uma cidade cheia de morros, com ruas estreitas, muito inclinadas, com passeios sem continuidade, com rampas de garagem invadindo a rua, com calçamento de pedras fincadas.
Trabalhou um tempo na prefeitura. Ajudou a mapear onde moravam todos os cadeirantes da cidade. Isso ajudou a desenhar uma política para as pessoas com deficiência. O Plano lhe encheu de esperança, mas a sua implantação tem demorado. A cidade tem até um conselho municipal de pessoas com deficiência. Algumas ações começaram a sair devagar do papel, como a melhoria de pontos de ônibus, mas por enquanto as obras nas calçadas estão sendo feitas apenas na área central da cidade.
Quase sempre José tem que andar na rua, disputando perigosamente espaço com carros e os mal-educados motoqueiros. Isso porque não há calçadas contínuas, quase todas têm degraus ou rampas para as garagens. Poucas ruas possuem calçadas com sinalização tátil direcional e de alerta, o que é ruim para os que têm deficiência visual. José pensa também nas outras pessoas que têm alguma restrição de mobilidade ou de visão, temporárias ou não. Vê as dificuldades das mães levando carrinhos de bebê, dos idosos com andadores. Já viu pessoas idosas tropeçarem ou torcerem os pés, em quedas muito feias.
José não consegue entrar numa loja sem o constrangimento de pedir ajuda. Algumas lojas fizeram rampas de forma errada, feitas só para constar. Às vezes deixa de ir ao banheiro, outras vezes tem que dar um jeito de ir depressa para casa, por falta de acessibilidade nos banheiros em órgãos públicos e no comércio. Outro dia precisou ir à UPA, tentou ir sozinho, mas foi uma aventura que não quer repetir. Lá existe uma rampa, mas é muito inclinada e escorregadia; só subiu onde a calçada era mais baixa, empurrado por um filho de Deus. Precisou atravessar a rua, mas não havia rampa, só conseguiu, desta vez, empurrado por um conhecido.
José vê mais ações voltadas para soluções viárias, para os automóveis, como trevos nas avenidas, recapeamentos, semáforos. Acha isso importante também, mas em geral os governantes aplicam seus esforços nos problemas de trânsito de veículos. Vê que dão uma importância danada à empresa de transporte coletivo. Mas acha que a empresa não faz muito certo, não. Na época de rever o valor da passagem os ônibus sumiam, quem precisava do transporte sofria muito. Depois que o prefeito dava o aumento, os ônibus reapareciam, mas aí os passageiros sumiam, pois não conseguiam pagar. Os prefeitos dão pouca importância aos cadeirantes, aos que passam por dificuldades motoras e aos com deficiências visuais; esses são invisíveis, presos, imobilizados em casa ou em suas cadeiras de rodas. Para José, parece que deixam cada um de nós nos virarmos, e nós vamos ficando por último, esquecidos. Mesmo assim, José só não perde as esperanças de dias melhores.

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