22 junho 2009

Morar em apartamento


Morar em apartamentos é o que a grande parcela da população das cidades maiores faz, pois é mais acessível aos bolsos e oferece maior segurança. Entretanto esse modo de vida é um destino cheio de contratempos para muita gente. A convivência entre moradores e com os defeitos nas construções exige paciência. Significa enfrentar problemas quase todo o tempo, mas é principalmente durante a noite, que eles se ampliam, quando o sono é perturbado ou só chega com um exercício de abstração, o que nem sempre é eficaz.



Consegue-se fazer com que os apartamentos fiquem cada vez menores. Os tetos cada vez mais próximos ao chão, as janelas cada vez menores. Salas se conjugam às cozinhas, já conjugadas às áreas de serviço. No mesmo ambiente devem conviver sofá e geladeira, fogão, varal de roupas, sons da TV misturados com o exaustor e da máquina de lavar. Agora com os aparelhos de TV com telas planas, vai dar para estreitar as salas em mais uns trinta centímetros. Nos quartos só cabem os móveis em escala reduzida nas propagandas das imobiliárias, ou aqueles lançamentos de seis portas da mesma largura dos que há alguns anos eram de duas. Banheiros praticamente exigem que entremos de frente e saiamos de ré (ou vice-versa). Para cozinhar é melhor comer fora ou comprar comida pronta. Frituras em casa, nem pensar. Lavar roupas é complicado, mais ainda secá-las. Estacionar em vagas de garagem são desafios cotidianos, com marcas nos pilares e nas latarias dos carros.

Sistemas construtivos convencionais e ineficientes, aliados à economia para obter maiores lucros, juntamente com os hábitos individuais incompatíveis com a vida em sociedade são os maiores vilões. Lajes finas facilitam a propagação dos sons dos passos com aqueles malditos saltos acima de nossas cabeças. Em alguns prédios, chegou-se à tentativa de proibição de andar de salto em casa. Paredes estreitas ou feitas com materiais pouco isolantes facilitam a propagação das vozes e tosses dos vizinhos, além dos infernais secadores de cabelos. Os ruídos dos golpes das descargas de bacias sanitárias chegam de várias direções. Em alguns prédios, ouvem-se os ruídos de chuveiros elétricos, elevadores e o funcionamento dos portões de garagem com aqueles sinalizadores irritantes.

Morar em prédios de apartamentos tem outras armadilhas. Quando se compra não se fala que as janelas são abertas para o oeste e aí seremos encharcados para sempre pelo sol da tarde, ou para o sul, de onde só baterá um solzinho pouquíssimos dias no ano. São-nos apresentadas belas perspectivas como se o prédio fosse o único na cidade e se o futuro prédio fosse construído no meio de áreas verdes maravilhosas. Oferecem-nos uma bela vista, até que no estreito lote vizinho outro prédio toma a sua visão e abre dezenas de janelas bem à sua frente e deixa muito mais gente bem pertinho. Quase dá para apertar as mãos. Dá também para ouvir festas, gritos, conversas, roncos, carinhos e brigas, latidos, assistir aos jogos de futebol, alimentar os hábitos dos voyeurs e sentir cheiro de pipoca, bifes e peixe frito. Perdem-se o a vista e a insolação, o sossego e o humor.

A sociedade moderna cada vez mais aglomera as pessoas e força a convivência. Deve haver maior tolerância no convívio, mas a educação e o respeito deverão sempre prevalecer para o bem de todos os moradores, uma vez que essa tendência não vai parar. O que pode e deve ser melhorado é um conjunto de práticas que passa pelo bom planejamento urbano, como a adoção de afastamentos (recuos frontais e laterais) mais adequados para os prédios e limitação da densidade populacional. A arquitetura deve ser utilizada de forma a garantir adequadas ventilação e insolação, a otimizar espaços sem exigir sacrifícios ergonômicos (considerando que as pessoas não estão diminuindo de tamanho, muito pelo contrário: estão mais altas e mais gordas) e a utilizar materiais isolantes (acústicos e térmicos) mais econômicos e eficazes.

5 comentários:

  1. Ótimo post, professor!
    O período nem acabou mas já tô imaginando o próximo projeto, que é arquitetura residencial multifamiliar, e esse texto já dá uma certa inspiração para o que fazer e o que NÃO fazer em projeto no período que vem!
    Como sempre é um desafio pra gente aliar uma boa arquitetura (que implica em sustentabilidade, acessibilidade, conforto ambiental...) com a demanda desse mercado louco! Ainda mais em Viçosa...
    Gostei muito de ler isso!

    Até mais!

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  2. Guilherme "Cabeleira Thrashbanger"10 de julho de 2009 às 15:29

    Pode cre Ítalo! O que valoriza um apartamento? Localização ou espaço? Qualidade de moradia ou status social de morar em um determinado bairro? Enfim, cidades cuja espaculação imobiliaria come solta rola tudo isso q vc falou e + um pouco! Em Viçosa por exemplo os afastamentos mínimos são mínimos até demais, em vários prédios vc abre a janela do quarto e vê seus vizinhos fazendo coisas... ê laialaiá sô!

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  3. Falando em afastamentos mínimos, em Conselheiro Lafaiete é permitido constrir sem afastamento frontal e ainda avançar a obra sobre a calçada a partir do 2.° pavimento! Acho incrível a legislação de algumas cidades como por exemplo a de Lafaiete, onde estamos com alguns pojetos... A cidade, que tem um crescimento aceleradíssimo nas ultimas décadas possui um Cógigo de Obras ainda da década de 60, enquanto o engavetado Plano Diretor se molda aos anseios dos especuladores locais antes de ir à votação na Câmara...

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  4. Por falar em Arquitetura e Urbanismo, nota 0 (zero), para administação municipal. Como pode uma cidade com 120.000 habitantes, não ter um planejamento global da área urbana. Enquanto algumas ruas, praças e avenidas não podem ter prédios acima de 3 andares, locais com pouca infra-estrutura vemos obras com mais de 10 andares.

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  5. Excelente post. Morar em apartamento é um eterno exercício de paciência. Principalmente com relação à acessibilidade. Pelo menos aqui em Pernambuco as construtoras parecem ignorar os portadores de necessidades especiais. Cadeira de rodas mal circulam pelo ambiente e não têm acesso ao banheiro. Em breve teremos apartamentos-cápsula como os hotéis no Japão.

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