20 novembro 2009

Concertos caninos

Começam invariavelmente em torno da meia noite. Talvez porque a essa hora os seres humanos diminuem suas atividades e cedem espaço para as manifestações dos outros coadjuvantes urbanos. É precedido pelo canto de alguns poucos galos ainda criados nas cidades. Um primeiro cão late umas quatro ou cinco vezes e aguarda. Um segundo responde, algumas dezenas de metros. Mas se segue um breve período de silêncio. O primeiro cão insiste, com mais ênfase. Aí sim outro cão aceita o desafio e responde. Para não ficar para trás um terceiro entra no debate, afinal de contas parece que estão querendo invadir seu território. Aí começa o inferno. Três, cinco, dez, vinte cães expõem, com vontade, todo o seu repertório. Passam minutos, muitos minutos e o barulho avança madrugada adentro.

Enquanto ladram, o barulho é às vezes sobrepujado por um eventual ronco de motocicleta ou um grito de palavrão de um mal-educado cidadão, cujos hormônios também afloram à superfície, como nos cães que captam no ar a presença de fêmeas no cio. Mas nada supera esse concerto insistente, desafinado, insuportável. Os donos dos animais já se acostumaram com os latidos e já não se importam, nem têm ao menos consideração com os vizinhos, que rolam em vão, nas suas camas, tentando dormir e que são vencidos apenas pelo cansaço, que se acumula dia após dia. Os donos dos cães não ligam, não procuram calar seus melhores amigos, deixam como está, se é que percebem tamanha falta de educação.

Na madrugada, depois que tocam os sinos da meia-noite, depois dos galos, os latidos percorrem todos os bairros da cidade. O concerto pára lentamente, quando os galos voltam a cantar com os primeiros clarões do novo dia, quando despertam as famintas maitacas, quando roncam os primeiros motores dos automóveis e coletivos. Aí, definitivamente os despertadores acordam as pessoas, muitas delas querendo espichar o sono, que só chegou depois de copos de água com acúcar, suco de maracujá, remédios para dormir, algodões nos ouvidos, viradas prá cá, viradas prá lá, travesseiros por cima da cabeça, passeios pelos corredores, colchonete na sala, colchonete no corredor, manobras acompanhadas maledicências dedicadas aos caros vizinhos. Os vizinhos, por sua vez, vão trabalhar para ganhar dinheiro para comprar ração para seus adorados animaizinhos de estimação.

O remédio é esperar o fim-de-semana para compensar o sono perdido na marra. Entretanto, não fica no ar espesso de sons apenas os latidos, uivos e ganidos. A companhia é de peso. Ecoam por todo lado os gritos das pessoas empolgadas com as festas animadas com churrascos, que espalham no ar o cheiro de lingüiça barata e carne queimada. As comemorações despejam no ar acordes altíssimos de música country, axé, pagode, funk, hip hop, techno bate-estacas, Mcs, DJs, caribó e forró. Músicas no mais alto volume são acompanhadas por gritos tribais e gritinhos desafinados. Batem-se portas de automóveis, os freios trabalham como nunca. Todo esse grotesco arranjo acaba por abafar os clamores dos mal-educados luluzinhos. Afinal é fim de semana e ninguém é de ferro.

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