10 fevereiro 2017

URBELÂNDIA



Texto publicado no jornal Nova Tribuna, em 08/02/2017.

Havia sim uma região que antes as pessoas que moravam em outros bairros diziam “vou ao centro”, “vou descer para a cidade”, “vou até a cidade”. Hoje poucos se interessam pela área, pois ficou tomada pela prostituição ou pela “cracolândia”. Esa parte original está cheia de casas e prédios velhos e muitos desses abandonados. Sabe-se que já foi movimentada, animada e atraente. As praças eram bonitas e locais de muitos encontros.  Houve, sem sucesso, algumas tentativas de revitalização. Nas noites e nos finais de semana, não era recomendado estar nesta área suja e perigosa.

Depois que as lojas e restaurantes chiques, as agência bancárias se mudaram para a zona sul, as pessoas tinham como meta de sucesso morar nela, ou bem perto, num daqueles apartamentos com varandas, salas gourmets, spas e piscinas. Os nome dos novos edifícios eram muito bacanas, como “Millenium Double Suits”, “Quintessenza”, “Quartier Renoir” ou “Parc  du Conde”. Mesmo quem não tinha dinheiro considerava essencial morar perto dos empregos, mesmo que não fossem grandes empregos, mesmo que vivesse em condições precárias.

A cidade atraiu muita gente que não cabia só no antigo centro, nas favelas e na Zona Sul. A Zona Norte passou a abrigar muitos moradores; assim se sucedeu com a Cidade Alta (Zona Oeste) e logo depois a Cidade Baixa (Zona Sul). Os moradores dessas regiões tinham a felicidade de ter uma casa como sua, mas as casas eram distantes do Centro, e morar longe significava ter de usar o transporte coletivo, ou correr risco de andar de bicicleta no meio dos automóveis. Outra solução seria, com muita luta, comprar um automóvel.

Assim funcionou a cidade por alguns anos. Mas com o crescimento sem cuidados, o aluguel ficou caro e vir para a cidade significava morar cada vez mais longe do local de trabalho. O prefeito conseguia trazer programas habitacionais, mas esses eram construídos em áreas sem asfalto, sem escola, sem postos de saúde. Moravam em conjuntos imensos de ruas iguais e casinhas iguais em lotes mínimos, construídas com materiais de baixa qualidade, mas que tinham até aquecimento solar, com nomes de “Vila Esperança”, “Vila Eldorado”, “Morada dos Sabiás”, “Vila das Pitangas” ou “Vale do Sol”. As pessoas tinham suas  casas, mas não tinham mais a cidade, foram arrancadas dos seus vínculos com as comunidades.

Havia apenas cuidados com aqueles amigos que descobriram que, longe da cidade e da Zona Sul, bem ao sul da Zona Sul, havia alguns lugares muito bonitos, com o ar puro do campo, com lagos e rios. Esses amigos logo compraram essas áreas e atraíram gente boa, com nomes bonitos, como “Jardins dos Lagos”, “Serra Verde”, “Vale das Flores” ou “Villa Lombardia”, com dinheiro para construir suas casas em locais protegidos. Os amigos diziam que ali não servia para morar outro tipo de gente, pois eles já tinham o norte da Zona Norte, o oeste da Zona Oeste, o leste da Zona Leste inteiro para eles. Esses amigos todos também reivindicaram melhorias dos acessos aos seus lares, até que conseguiam que os amigos do poder construíssem belas avenidas com canteiros centrais, em amplos terrenos que viriam a ser ocupados por postos de gasolina, shopping centers, bierhaus e bistrôs. Conseguiam linhas de transporte coletivo para que os serviçais pudessem vir das outras Zonas para trabalhar.

Assim, para todos os lados, se estendeu Urbelândia. O campo virou cidade, a cidade se misturou ao campo. Não dava para saber onde terminava um e começava outro. Os muitos terrenos vazios espalhados que sobraram eram apenas para aguardar valorização. Quem morava ao sul da Zona Sul só se encontrava com quem morava ao norte da Zona Norte nos seus jardins, cozinhas e áreas de serviços. Quem morava ao leste da Zona Leste quase não conhecia ninguém que morava a oeste da Zona Oeste. Quase ninguém lembrava que tudo começou naquela remota região chamada Centro.

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