domingo, 17 de maio de 2020

MANIFESTO EM DEFESA DO IPHAN



MANIFESTO EM DEFESA DO IPHAN

O FÓRUM DE ENTIDADES EM DEFESA DO PATRIMÔNIO CULTURAL BRASILEIRO, formado por diversas entidades da sociedade civil que congregam profissionais e pesquisadores das diversas áreas vinculadas à preservação do patrimônio cultural, juntamente com REPRESENTANTES DA SOCIEDADE CIVIL NO CONSELHO CONSULTIVO DO IPHAN e EX PRESIDENTES DO IPHAN, vem manifestar a sua preocupação com a ação do Governo Brasileiro sobre o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).

Desde 2016 e, mais criticamente, após o início do atual governo brasileiro, em 2019, o Brasil passa por um período de muitos retrocessos nas esferas social, ambiental e cultural, com a extinção ou a interferência política em instituições, ministérios e conselhos participativos. A estrutura administrativa do Iphan tem sofrido, neste período, diversos ataques que fragilizam sua atuação histórica frente às realidades plurais do patrimônio na sociedade.

O mais recente e mais grave destes ataques ocorreu no último dia 11 de maio, com a nomeação para a Presidência do Iphan de pessoa sem a necessária formação e experiência profissional, em flagrante ação de deslegitimação do saber científico e técnico que sempre caracterizou a instituição. Essa nomeação para o cargo mais importante do órgão ocorre na sequência de muitas outras, realizadas nos últimos meses, para os cargos de chefia das Superintendências do Iphan – Superintendente e/ou coordenador técnico – do Distrito Federal e dos Estados de Goiás, Minas Gerais, Paraíba e Rio de Janeiro, sem que fossem atendidos os critérios e o perfil profissional mínimo exigidos para o exercício das funções, conforme estabelecido pelo Decreto no 9.727/2019.

Ressalta-se que o caráter operacional dos referidos cargos exige de seus ocupantes uma formação acadêmica e uma experiência profissional prévia com a temática, como estabelecido pelo decreto citado. Sem o necessário conhecimento técnico nos postos-chave, coloca-se em risco todo o funcionamento da estrutura de preservação do patrimônio em nosso país.

Preocupa também a vacância em alguns cargos técnicos de chefia que são determinantes para a apropriada gestão e preservação do patrimônio cultural brasileiro. Cargos ocupados por substitutos são oportunidades que podem ser utilizadas para nomeações políticas, sem respeitar os critérios e necessidades de habilitação para cada cargo. Exemplos disso são o Centro Nacional de Arqueologia (CNA) e a Coordenação- Geral de Licenciamento Ambiental do Iphan, por onde passam, inclusive, os processos de Licenciamento Ambiental, bem como os cargos de superintendente e coordenador técnico de diversas Superintendências do Iphan e de chefe de Escritórios Técnicos em diversas cidades.

O crescente enfraquecimento técnico e científico da instituição com a nomeação para cargos importantes de pessoas sem as devidas competências ocorre em um momento extremamente delicado, quando se observam perdas irreparáveis para o patrimônio cultural brasileiro, como por exemplo:

- O incêndio que devastou o Museu Nacional, no Rio de Janeiro, em 2018, que, além da destruição de uma edificação tombada, resultou na perda de milhões de artefatos históricos, arqueológicos, paleontológicos, etnográficos, zoológicos e botânicos, bem como de sua documentação, consequência direta dos baixos investimentos na sua manutenção e conservação;

- As ameaças à biodiversidade do ecossistema amazônico, decorrentes de um afrouxamento, desde 2016, das políticas ambientais e de proteção dos povos da floresta e de todo o processo de licenciamento ambiental, que não apenas garante o estudo e preservação do patrimônio ambiental, mas assegura que o patrimônio arqueológico presente na região seja estudado e preservado antes da implementação de grandes empreendimentos;

- A destruição de dezenas de monumentos arquitetônicos e de sítios históricos e arqueológicos decorrente dos desastres socioambientais na bacia do rio Doce, em 2015, com o rompimento da barragem de Bento Rodrigues, causando a morte de 19 pessoas, e na bacia do rio Paraopeba, em 2019, com a tragédia de Brumadinho,que resultou na morte de 254 pessoas, ambas no Estado de Minas Gerais;

- A falta de investimentos nas políticas de salvaguarda e o afrouxamento nas leis de proteção e na fiscalização das terras indígenas e quilombolas, que têm colocado em risco a vida e o patrimônio imaterial dos povos e comunidades tradicionais.

O Iphan, fundado em 1937, é uma das instituições mais antigas dedicadas à preservação do patrimônio cultural do mundo. Seus 83 anos de existência representam uma longa tradição de saberes e práticas de preservação que conquistaram reconhecimento e tornaram-se paradigma para diversos países e organismos internacionais, como a Unesco.

Como autarquia pública federal, presta serviços importantes à sociedade brasileira. Ao longo da história, as políticas de preservação do patrimônio cultural no Brasil foram conduzidas, em todo o país, por profissionais com habilidades técnicas adequadas e sólida formação acadêmica, em correspondência com exigências de alto conhecimento e liderança na gestão da instituição. Desta forma, a credibilidade das práticas e decisões do Iphan se baseia na inegável e histórica competência de sua equipe técnica na preservação e conservação do patrimônio cultural de nosso país.

Deve-se destacar que o Iphan é responsável por zelar por todo o patrimônio arqueológico do país e pelos bens culturais inscritos na Lista do Patrimônio Mundial da Unesco, como é o caso da cidade de Brasília, dos centros históricos de Diamantina, Ouro Preto e Goiás, do Santuário de Bom Jesus do Congonhas, do Cais do Valongo e da paisagem cultural do Rio de Janeiro, e do recém nomeado Conjunto Moderno da Pampulha, apenas para citar aqueles sítios que estão sob a responsabilidade de alguma das Superintendências nas quais as recentes nomeações de dirigentes não observaram as diretrizes condizentes com a importância da missão do Iphan.

Tal preocupação ainda é completada pelo corte orçamentário da ordem de 70% promovido pelo atual governo, que impede a gestão e o funcionamento adequados do Iphan.

Neste sentido, o FÓRUM DE ENTIDADES EM DEFESA DO PATRIMÔNIO CULTURAL BRASILEIRO, formado pelas entidades abaixo subscritas, e os MEMBROS DO CONSELHO CONSULTIVO DO IPHAN e EX PRESIDENTES DO IPHAN abaixo subscritos, vêm denunciar os riscos que estas ações representam para o adequado desempenho do Iphan e para a proteção e preservação do patrimônio cultural brasileiro e requerem que ejam tomadas as medidas cabíveis, bem como que tais atos lesivos e prejudiciais ao interesse público e ao patrimônio histórico, cultural e artístico nacional e mundial sejam revertidos.

Brasil, 12 de maio de 2020

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