23 agosto 2020

CIDADES PÓS-PANDEMIA II

 CIDADES PÓS-PANDEMIA II

Artigo publicado no jornal Folha da Mata, Viçosa, em 20/08/2020

A menos que a raça humana consiga surpreender, o mundo pós Covid-19 tenderá a ter muitas coisas como antes, algumas delas apenas mais visíveis. Ainda é muito cedo para dizer como será o mundo pós essa condição que assola o planeta inteiro, mesmo que o afete de formas diferentes. Qualquer afirmação pode ser refutada. Qualquer conclusão poderá ser precipitada. Embora a pandemia revele e amplie as distâncias sociais e econômicas, e que muitos estudiosos apontem a necessidade de ampliação e aperfeiçoamento das políticas públicas, não creio que isso entrará na agenda dos governantes. Ainda mais aqueles que pregam aos quatro cantos a eficácia de medicamentos rejeitados pelos estudos médicos sérios. Estados Unidos e Brasil, países gigantescos, governados por chefes de estado negacionistas da ciência lideram não coincidentemente os tristíssimos números astronômicos de mortos.

A pandemia revelou as péssimas condições do transporte público. A consequência disso será a corrida para a aquisição de veículos particulares e mais notadamente ainda a de motocicletas. O que vai acontecer? O aumento da poluição, dos engarrafamentos e de acidentes. Outra consequência da pandemia é o aumento da procura de lotes para a construção de residências unifamiliares. Os períodos de isolamento social, mesmo que fragilmente praticados, mostraram o quanto é ruim morar em apartamentos. Quem tem recursos partiu para solucionar esse problema com o sonho de construir uma casa com quintal e varanda. O que acontece com esse fenômeno? O aumento de oferta de apartamentos pequenos e o rápido encarecimento do preço da terra. Confirme isso com os corretores de imóveis.

Além do amplo uso das máscaras e do álcool in gel, é provável que algumas coisas sejam acrescentadas no cotidiano, como as modificações em restaurantes a quilo, que não serão mais self service. Ganha força o tele trabalho feito em casa, o que vai diminuir a necessidade de deslocamentos nas cidades. Além da expansão dos serviços de motoboys e motoristas de aplicativos (uma forma de emprego sem nenhuma garantia), cresceram muito as demandas por serviços de arquitetura de interiores, gesseiros, marceneiros, pintores e pedreiros, para fazer adaptações de espaços de trabalho, de estudos e de lazer.

Quem não tem, ou quem vai perder o acesso a essas melhorias, terá as condições de vida iguais ou piores que antes da pandemia. A menos que muitas coisas mudem. Não são visíveis os sinais disso. São louváveis as ricas experiências de comunidades que conseguiram se organizar e manter os efeitos da pandemia sob controle. São também dignos de menção os ótimos resultados de controle da pandemia que algumas cidades conseguiram, o que é o caso de Viçosa. Com a proximidade das eleições, é provável que aumente o número de promessas politiqueiras e, em proporções bem mais modestas, reais melhorias futuras. As condições econômicas pioradas serão o maior argumento e, provavelmente também, a causa. Serão postergadas as prioridades como saneamento básico, melhorias nas condições de mobilidade e de programas de habitação social mais dignas. 

A distância social, agravada pela insuficiência de políticas sociais e pelo o desaparecimento de empregos, poderá nos levar a um país ainda mais corrupto, impune, sob controle do deep fake, um país com mais pobres, um país mais inseguro, informal, uberizado e sem esperança de melhorias. Sair da pandemia, melhor do que éramos, será uma utopia, mas devemos nos nutrir dessa para seguir adiante. 



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