06 fevereiro 2022

TEIMOSIA


 Artigo publicado no jornal Folha da Mata, Viçosa-MG, em 2/2/2022.

Estamos vivendo numa época de extremos no clima. Longos períodos de estiagem são seguidos por temporais com graves consequências materiais e humanas. Depois de uma longa estiagem, as chuvas são muito bem-vindas. Só que, com elas, vêm as consequências, muitas vezes, trágicas; marcas do despreparo de alguns e ou da negligência do poder público. Entre tantos problemas, tivemos, ao final de 2021, o da praça Mário del Giúdice, com a drenagem do Córrego da Conceição, no centro da cidade. 

Depois de uma chuva forte, daquelas que em épocas de estiagem aguardamos ansiosamente, aparecem vários estragos e sustos. A Defesa Civil é acionada para atender vários locais das cidades.  Ocorrem os alagamentos e os deslizamentos, muitas vezes com vítimas fatais.  No período chuvoso, a pavimentação de ruas é destruída, o trânsito obstruído, os prejuízos materiais são enormes. Em alguns lugares, casas são destelhadas. Nos locais mais baixos, as águas não encontram o escoamento suficiente e entram nas garagens, lojas e casas.

Há uma série de consequências da urbanização desassistida, ilegal ou negligente. Apesar de termos leis federais, como o Código Florestal, a Lei de Parcelamento do Solo, de 1979, além dos planos diretores e leis de ordenamento do uso do solo dos municípios, os construtores as ignoram. Há décadas, as cidades têm crescido descontroladamente morro acima ou em direção aos cursos de água. Para construir, barrancos são abertos, os leitos dos cursos d’água são assoreados. As construções, quase sempre clandestinas, ocupam as margens e até mesmo adentram nos leitos, suprimindo a matas ciliares.  As vias têm sido erroneamente pavimentadas com materiais impermeáveis. Os moradores têm cimentado seus jardins e seus quintais.  Quando chove, as águas escoam em maior volume, pois não são absorvidas pelo lençol freático e rapidamente correm em direção às partes mais baixas, onde precisam achar coletores que deveriam ser bem dimensionados e estarem desobstruídos. Construções sobre cursos d’água foram permitidas e não há o cuidado de monitorar as condições das canalizações até que alguma cratera se abre.

Devo lembrar que, em 2014, a Praça Mário del Giúdice foi interditada, com a apresentação de rachaduras nas edificações onde funcionavam um bar e um açougue. Na época, o SAAE encomendou estudos técnicos e sondagens que revelaram que não havia condições para construção. Minha opinião foi a de que a área deveria ser transformada em uma praça. No entanto, em 2017, o Instituto de Planejamento Municipal, alegando que foram atendidas todas as exigências processuais, liberou o alvará, com parecer favorável à reforma do imóvel. Neste, ao contrário da opinião de técnicos, foi permitida a construção. 

Naquela parte de Viçosa, por baixo do posto de gasolina, das ruas, da praça, da balaustrada e da farmácia, passa o córrego da Conceição canalizado, que recebe toda a carga de chuvas da microbacia, e que nem sempre dá conta do escoamento, pois junto à água, vem o esgoto, vem terra, vêm sofás e bananeiras. Sabe-se que as condições do solo não são boas e as soluções provisórias. Com a interdição do final de ano e com as obras feitas, tudo parece paliativo até a próximo evento. E assim vai se levando, procrastinando teimosamente a realização de obra adequada.


Um comentário:

  1. Não moro em Viçosa há mais de 10 ano e hoje, conversando com uma amiga, ela me deu triste notícia: muitos prédios sendo projetados pelos mais endinheirados, sem preocupação com ruas estreitas, ausência de calçadas, esgotos suficientes e sem infraestrutura programada para novas exigências da natureza. Como dói.

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