Artigo publicado no jornal Folha da Mata,Viçosa, em 13 de junho de 2023.
O governador do estado vibrou, os políticos aplaudiram e o povo cantou o nome do governante. Foi a realização de um sonho. Foi a inauguração de uma nova capital, todinha planejada, para caber muitas centenas de milhares de habitantes; gente pioneira e trabalhadora em prol do desenvolvimento daquele estado de solo fértil e de água abundante. Amplas avenidas, ruas largas, grandes parques, um enorme lago, com lindas praias, tudo favorecido por uma topografia plana. A capital foi planejada para ser construída em quatro etapas, na medida em que fosse ocupada. Prédios de arquitetura arrojada foram erguidos para abrigar o Palácio do Governo, a Assembleia, o Fórum. Na capital foram construídos projetos do arquiteto mais famoso do país, inclusive um belo aeroporto. Tudo muito bonito, tudo muito bom no começo. Nesta cidade pensada, caberiam mais de dois milhões de moradores.
A ganância de poder, a vontade de ficar famoso, o desejo de entrar para a história como visionário, tomaram conta dos próximos governantes. Por que não fazer logo as outras etapas do ambicioso plano? Um acordo foi feito com as construtoras; em troca de instalar a ampla, enorme, estrutura viária, com quilométricas avenidas com seis pistas, muito bem iluminadas, ganhariam muitas glebas dentro da área planejada, para usarem quando bem quisessem. Construíram até condomínios de luxo murados e shoppings centers. A cidade passou a ser chamada de a capital brasileira da especulação imobiliária. Com as obras, surgiram milhares de lotes, mas esses ficaram vazios, nas mãos de uns poucos proprietários e do Estado.
No entanto, faltou combinar com o povo que o custo da terra ficaria muito alto. As pessoas vieram de muitos lugares do país, com a esperança de se arranjarem bem na vida. Muitos que chegavam, eram mesmo muitos, não encontraram lugar para morar dentro da área planejada, dentro do magnífico plano. Barreiras policiais impediram que os migrantes ocupassem a cidade planejada. O jeito foi arrumar um pedaço de terra na borda da cidade. Esta região é a quinta fase, a não planejada, a mais populosa, a com menos infraestrutura, sem segurança, sem coleta de lixo, sem transporte público de qualidade, onde moram as pessoas teimosas cheias de esperança. O transporte coletivo é um serviço ruim; ônibus superlotados, malconservados e com os horários insuficientes e sempre atrasados. Três quartos dos assassinatos acontecem lá. Morre gente na disputa de quem vende mais drogas para o lado urbanizado.
Atualmente, existem duas cidades separadas. Uma é o oposto da outra. Uma que com proprietários de terras sem uso, ricos; outra com ocupantes irregulares, pobres. Uma é enorme, planejada, cheia de terrenos vazios, bem urbanizada e equipada, bem policiada, mas é uma região de manutenção cara, que consome muitos recursos públicos. É uma das melhores cidades para morar do país. A outra parte é menor, distante dezenas de quilômetros do lago e do poder, apinhada de gente, longe do plano urbanístico moderno, cheia de problemas sem recursos para melhorar. Ali, a violência não para de crescer, bate recordes em cima de recordes. De nada adiantou planejar uma linda cidade, se ela não consegue abrigar a todos.
Foto: https://jc.ne10.uol.com.br/colunas/turismo-de-valor/2021/03/12040755-palmas-a-jovem-capital-que-de-tao-bela-merece-o-tocantins-inteiro.html
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