Artigo publicado no jornal Folha da Mata, Viçosa, em 11/09/2025.
A cultura e a memória de um povo são os principais fatores de sua coesão e identidade, responsáveis pelos liames que unem as pessoas em torno de uma noção comum de compartilhamento, noção básica para o senso de cidadania. As bibliotecas públicas são importantes para a memória brasileira, por guardarem a literatura, a informação e a história local, seja por meio dos livros físicos, seja por projetos internos. Dito isso, chama-nos a atenção o descaso de Viçosa em relação à cultura, especialmente no que diz respeito à sua Biblioteca Municipal.
A Biblioteca Municipal tem uma trajetória marcada pela negligência. Já esteve no Colégio de Viçosa, depois foi acomodada em um espaço apertado, mas planejado, na Estação Ferroviária. Teve de conviver, por anos, com a alternância de barro no período chuvoso e de poeira no período de seca, ao lado do descuidado leito da linha férrea, usado como estacionamento. Mais tarde, perdeu espaço e foi expulsa para dar lugar ao Posto do Ministério do Trabalho em Viçosa (que, por sinal, cuidou muito mal do prédio tombado). Passou anos “encaixotada” e chegou a ser motivo de ação pública contra a Prefeitura pela falta de zelo para com o patrimônio público. Com muito custo, foi transferida para o prédio da antiga Prefeitura/Câmara Municipal, na Praça do Rosário, mas isso durou pouco. No mesmo edifício funcionavam o Centro Experimental de Artes e o Departamento de Patrimônio Histórico.
Recentemente, tudo o que se acomodava no amplo edifício foi removido para um porão. Em seu lugar foi instalada a Unidade de Atendimento Integrado (UAI), importante estrutura de serviços para o cidadão. Esse serviços foi considerado prioridade, enquanto, mais uma vez, setores da cultura assumiram papel secundário, sendo alocados em espaços apertados e escondidos.
As instalações, que funcionaram até poucas semanas atrás, recebiam estudantes carentes em um espaço digno, conquistado a duras penas. Mesmo na Praça do Rosário, a biblioteca municipal não recebeu o devido cuidado de nenhum prefeito. No sentido etimológico que um dia emprestou força e prestígio às primeiras bibliotecas, a instituição foi reduzida a uma ideia retrógrada, transformando-se em simples depósito, ao qual recorriam apenas grandes estudiosos ou os desprotegidos da fortuna. Destaco a dedicação dos funcionários, que ainda conseguiram tornar o espaço mais frequentado e adequado ao nosso tempo (incluo aqui a importância do Centro Experimental de Artes). Promoveram atividades culturais, como o Sarau dos Namorados, o Dia do Escritor, o Dia da Mulher Negra e a Noite Mineira dos Museus. A biblioteca, no entanto, não teve chance de se modernizar, com exposições, teatro, cinema e mais cursos.
Infelizmente, o que acontece em Viçosa não é caso isolado. O descaso com as bibliotecas públicas evidencia o desinvestimento cultural e educacional no Brasil. As políticas públicas de incentivo às bibliotecas sofreram cortes. Dados do Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas (SNBP) indicaram que o país perdeu quase 800 bibliotecas públicas entre 2015 e 2020; um grave retrocesso. Por outro lado, somos favoráveis à existência desses serviços de grande utilidade pública, mas não é justo que ocupem os espaços da cultura, expulsando-os para qualquer canto, como se fossem menos importantes. Ambos são serviços essenciais à sociedade, e cada um merece ter o seu lugar, o melhor possível. Há de haver soluções melhores, menos desiguais.

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