Tenho, de minha casa, uma visão ampla e bonita da cidade. Alcanço até 180 graus de visão panorâmica. À noite, é ainda mais bela: vêem-se luzes de várias intensidades e dispostas em variados desenhos. De longe, parece um conjunto aparentemente organizado e harmônico.
O primeiro plano é da área central, onde, como privilegiado, moro. É uma área viva, animada, uma mistura saudável de usos. Há alguns prédios de vários andares, as ruas são calçadas.. Há poucas manchas de vegetação, mas canteiros centrais e pequenas praças bem cuidadas. Observa-se uma iluminação das ruas eficiente, que dá uma sensação de segurança aos inúmeros pedestres que vão para casa, saem das escolas, dirigem-se aos bares ou aos pontos de ônibus.
Mais ao longe, lá no alto dos morros que circundam o centro, podem-se observar casas, quase todas ainda com sua alvenaria aparente. Há mais manchas de vegetação, por vezes cobrindo um terreno inclinado demais para abrigar uma construção. Cada casa apresenta um ponto de luz fraco, que se soma aos muitos outros, formando uma silhueta ondulante e trêmula à noite. De lá, seus moradores têm também uma bela vista. Mas têm mais dificuldades e problemas que os moradores mais privilegiados do centro. Não se pode dizer que a qualidade das vias, calçadas, iluminação e de suas próprias residências é tão boa quanto a da área central. Nem sempre é fácil alcançar a parada de ônibus, nem sempre lá chegam com facilidade o caminhão da coleta de lixo, o caminhão de gás, uma viatura policial ou uma ambulância, quando mais se precisa. Nem sempre pode-se ir em busca de atendimento médico, escolas ou a alguma atividade de lazer ou de cultura. As limitações impostas pela idade, pelas necessidades físicas especiais, ou principalmente, pelas financeiras, cerceiam das pessoas os direitos de ir e vir, de viver plenamente a cidadania.
Um vento forte, um temporal, uma seca prolongada, uma chuva de granizo ou um sol a pino têm efeitos muito diferentes nestas partes da cidade. Enquanto uma assiste aos fenômenos meteorológicos de forma segura e confortável, pois sabe que vai passar; a outra se preocupa, fica sem água, sem energia elétrica, sem acesso por vários dias. Seus moradores às vezes adoecem, às vezes entram em pânico, às vezes têm a vida transformada por tragédias que não alcançam os de cá.
Os de cá e os de lá moram na mesma cidade, embora vivam em realidades diferentes. Os de cá, que podem até se importar com o que acontece com os de lá, mas não trocariam de lugar. Nesta cidade, e em milhares de outras nesse país, há esta divisão silenciosa, esta segregação perversa. Às vezes alguns dos cidadãos até escolhem se isolar nestas áreas distantes, fecham-se em muros medievais, levam consigo e seus familiares os gastos públicos da construção de uma infra-estrutura adequada de vias, iluminação pública e saneamento; instalam eficientes sistemas de segurança; chegam e saem de lá com seus automóveis individuais. Para isso, acabam empurrando quem morava onde agora estão, para mais longe, mais longe, longe dos que mandam e dos que consomem, longe ainda mais da cidadania. Desta forma, longe até da nossa vista, esquecemo-nos deles, pelo menos até que alguns de nós, eventualmente, precisemos de seus votos.
Quem pode mudar esta situação? Certamente não serão os do lado de cá, embora haja alguns que possam ajudar. A participação e a cobrança por políticas inclusivas são caminhos a serem tomados por quem quer mudar a cidade, ampliar a cidadania.
Tio, dê uma olhada no seguinte link: http://www.cinemaemcena.com.br/pv/BlogPablo/post/2011/06/04/325.aspx . Lembrei quando você falou em os de lá e os de cá... abração. Felipe
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