sábado, 17 de agosto de 2013

A FÁBULA DE UMBIGOLÂNDIA

Artigo publicado no Tribuna Livre de 14/08/2013



Não se sabe ao certo como e quando começou. Alguns suspeitaram de virose ou mutação genética; outros suspeitaram ser consequência do uso exagerado de refrigerante cola ou de glutamato.  Em poucas semanas, o mal produziu nas pessoas uma contração da musculatura do tronco, levando-as a retorcerem o corpo para frente, de modo que o olhar ficasse direcionado ao umbigo.  Assim, os umbigolandenses não conseguiam olhar com facilidade para os lados ou para ver outras pessoas.  Isso afetou tremendamente o modo de vida de cada morador de Umbigolândia. Em poucas semanas, a doença tomou conta de todo o país. Esse mal perdurou por séculos e séculos afora.

Depois que a epidemia tomou a cidade, se um umbigolandense precisava matricular um filho na escola, matriculava-o numa escola particular, sabia que o ensino público era de baixa qualidade. Então teria de trabalhar mais para aumentar seus recursos. Quem gostava disso era o governo, que não tinha de se preocupar muito com a qualidade do ensino.

O cidadão, preocupado com a péssima qualidade do atendimento à saúde, resolvia pagar um plano privado, pois com saúde não se brinca. Para isso tinha de trabalhar um pouco mais. Isso agradava muito ao governo, e às indústrias farmacêuticas, pois a produção de medicamentos anti estresse e de energéticos disparava.

Para ir trabalhar, o umbigolandense sofria muito com o sistema de transporte coletivo. Transporte coletivo, transporte público? Podia chamar aquilo de serviço?  Então resolveu que sua solução era comprar um carro para cada membro adulto da família. Um financiamento a longuíssimo prazo resolveria a questão.  Quem gostava muito disso eram os bancos e as empresas multinacionais que abriam cada vez mais montadoras para dar conta da demanda.

O cidadão vivia com medo. Ouvia, a toda hora, casos de furtos, assaltos. Ele tinha medo de sair de casa e comprou, um aparelho de TV de 50” para cada quarto da casa. Pagou por um serviço de TV por satélite e tudo ficava bem. Ficar em casa era mais seguro. Então, entre um comercial de automóvel e outro de plano de saúde, o umbigolandense teve um lampejo. Resolveu arrumar uns bicos para comprar um terreno em um condomínio fechado. Isso sim era a grande solução!  Para reclamar das coisas e desabafar da pressão da vida moderna, o cidadão descobriu que, sem sair de casa, ao toque de umas teclas do computador, podia xingar à beça o vizinho barulhento, o  prefeito preguiçoso, o vereador espertalhão que ganhara seu voto mas até agora não lhe arrumara um “carguinho” para a filha. “Bom, postei! Agora estou aliviado!”

Quem adorava isso tudo eram os políticos que podiam tranquilamente fazer suas leizinhas casuísticas para os correligionários e até comprar seus sítios e um ou outro apartamentozinho para juntar um bom patrimônio. Criavam assim leis para batizar rodovias com nomes de mães de políticos, para homenagear umbigolandenses ilustres. Assim o mundo ficou. As pessoas só trabalhavam e morriam de medo.

 Entretanto muitos se deram bem com essa situação, por isso a mantiveram por muito tempo. Aqueles que adquiriram de forma mais branda o mal que assolou Umbigolândia nunca desistiram de procurar a cura. Apostaram que a única forma de tratamento era uma terapia em grupos, já que o mal tinha quase que exclusivamente um componente psicossomático. A dificuldade foi convencer alguém a participar da terapia. Só quando a vida ficou quase insustentável é que os grupos começaram a ser formados.

Com o tempo, devagarinho, as pessoas foram se juntando, foram se organizando e ficaram tão fortes que foi possível mudar a qualidade do ensino, da saúde, do transporte coletivo. Tiveram de aprender a eleger seus governantes, escolher pessoas de bem para substituir os que por tanto tempo só se aproveitaram da situação.

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