domingo, 19 de abril de 2015

MINHA CIDADE MINHA VIDA


Texto publicado no jornal Tribuna Livre, em 15/04/2015

Nada como ter os grandes nomes de estudiosos sobre o planejamento urbano dizerem o que nós também tentamos dizer aqui nos nossos cantos. Em uma importante entrevista (Brasil de Fato, de 29 de janeiro de 2015), a Arquiteta e Urbanista Raquel Rolnik afirmou: “Antes tínhamos os sem-casa, agora estamos criando os “sem-cidade”. O programa habitacional Minha Casa Minha Vida foi um grande avanço, mas um avanço que tende a ir em direção ao abismo. Tem de haver muito mais da porta para fora. Tem de haver uma cidade, uma cidade com creches, parques, praças, comércio, serviços, transporte barato, pontual, abundante e de qualidade. O mundialmente famoso professor britânico David Harvey considera o programa do governo “uma ideia horrível, porque sugere que a vida do indivíduo é em sua casa”, e não é, “pois as pessoas vivem em ambientes e a qualidade desses ambientes são fundamentais”.   É isso que os nomes mais conhecidos falam, insistem, que nós também insistimos. É nisso que as políticas urbanas têm de se apoiar e realizar muito mais que ampliar estatísticas de sucessos, pois as estatísticas de problemas sociais crescem juntas.

Há muitas lacunas no planejamento urbano, e a da habitação social sustentável é das mais graves. Um dos fatores que preservam essa terrível prática é que há uma enorme quantidade de terrenos vazios dentro da cidade, que são mantidos vazios por pura especulação. O Estatuto da Cidade inclui a questão da função social da propriedade. Deixa claro que um amplo terreno vazio, não construído ou parcelado, ou um imóvel vazio, ou subutilizado, dentro de área urbana com infraestrutura não está cumprindo essa função. Isso é um dos fatores que empurram populações para áreas afastadas sem a infraestrutura adequada, que expandem insustentavelmente os limites da cidade, encarecendo os custos e inviabilizando a garantia da oferta de pavimentação, transporte e saneamento. Isso também destrói as áreas rurais onde estão os mananciais. É o que ocorre com as tímidas, mas perigosas, soluções de conjuntos habitacionais com fins sociais, pois são jogados para as bordas desestruturadas das cidades.

Falta coragem, por parte dos prefeitos, de aplicar o remédio, que é o triplo instrumento da edificação, parcelamento ou ocupação compulsória, IPTU progressivo no tempo e desapropriação. A primeira etapa consiste em dar um prazo – digamos dois anos - ao proprietário de um grande terreno para que ele construa ou parcele. Isso vale para proprietário de imóveis vazios ou subutilizados. Caso isso não ocorra, aplica-se o IPTU progressivo no tempo, até que os valores do imposto cheguem, em cinco anos, até aos 15% do valor do imóvel. A terceira etapa ocorre quando, decorridos 5 anos de progressão do imposto, o  município pode desapropriar o imóvel com títulos da Dívida Ativa da União. Do Estatuto da Cidade, falta também a coragem de estabelecer Áreas de Especial Interesse Social para a alocação de habitação social, dentro da mancha urbana que possui infraestrutura, nos terrenos utilizados apenas para especulação. Essas áreas não podem ser alocadas apenas nas áreas rurais, pois exclui a fatia da população mais carente de cidade e de cidadania.

Não se pode persistir nos erros que agravam a exclusão, os problemas sociais, que ampliam a injustiça social. Esse é o pior dos mundos.

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