Elegarça - um corpo robusto de leis que não anda sem uma fiscalização eficiente (inspirado em imagem de um livro de Ermínia Maricato).
Texto publicado no jornal "A Tribuna", Viçosa, em 5 /5/2017.
Na Câmara Municipal foi proposto, mas depois retirado de pauta, para aguardar os desdobramentos da revisão do Plano Diretor, um projeto de emenda à Lei Orgânica (a Constituição do Município). O projeto “Declara a região do Paraíso como Patrimônio Natural e dá outras providências”. A proposta era de anexar dois novos parágrafos:
“§ 3º A região do Paraíso, assim entendida a zona rural (1) a partir da Rodovia MG-280, sentido Paula Cândido, é patrimônio natural e sua utilização far-se-á, na forma da lei, para fins, exclusivamente, rurais (2) e que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso de recursos naturais.
§ 4º Na região do Paraíso é vedado o parcelamento do solo para fins residenciais, comerciais, industriais ou de serviços. (“3)”
As justificativas para o projeto de emenda consideram a preocupação com a preservação do meio ambiente; com o abastecimento de água, já que Viçosa depende quase em grau de sobrevivência, das nascentes da bacia do São Bartolomeu; por fim, com a expansão urbana e imobiliária. Há vários pontos a serem elucidados. (1) A descrição da zona rural a partir da rodovia é imprecisa e insuficiente, não há como compreender seus limites. (2) O que pretende chamar de zona rural já perdeu grande parte dessa característica há anos, devido à profusão de loteamentos e parcelamentos irregulares e com a construção de inúmeros edifícios para fins não rurais, como restaurantes, locais de festas, residências fixas, sítios de finais de semana, galpões industriais. (3) A proposta pretende vedar o parcelamento para fins não rurais em uma área já muito esquartejada. Há na região propriedades não parceladas que comportam várias unidades de lotes, casas, quadras esportivas e salões de festas. Há partes da bacia do ribeirão com uso agrícola e pastoril, com cobertura vegetal e com cursos d'água que devem ser preservados para a proteção da legislação ambiental.
Vedar formas de uso simplesmente não evita a ocupação inadequada do solo. Os problemas existentes e as formas de proteção da área já possuem instrumentos legais e jurídicos vigentes, na legislação federal e no Código Ambiental do Município. Agora se pretende ordenar o uso e a ocupação do solo da região com a proposta da revisão do Plano Diretor que está a caminho da casa legislativa para tramitação. Um grande e crônico problema tem sido a postura da administração municipal em desconsiderar a zona rural como jurisdição, deixando-a inalcançável pela fragilíssima fiscalização municipal, além da subdimensionada estrutura de fiscalização ambiental.
Receio que a simples criação de uma lei, mesmo que bem intencionada, a jogue, como outras na inocuidade. Há quase vinte anos existiu o movimento S.O.S. São Bartolomeu; há mais de cinco anos aguardamos a criação da APA do São Bartolomeu; há mais de 16 anos temos um Plano Diretor; há mais de 14, o IPLAM; termos um conselho de meio ambiente, um conjunto legal que se mostrou incapaz de permitir a deterioração visível da bacia. Sinceramente não há como acreditar que mais uma lei possa ter efeito. Precisamos muito mais que isso, numa combinação de ampliação e eficácia da fiscalização e de uma expressa e inquestionável vontade política de salvar e proteger nosso maior manancial. Como disse meu sábio professor Flávio Villaça: “no país onde a lei é ignorada, clama-se por mais leis!”.
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