01 junho 2020

Reconstruir é preciso?


Artigo publicado no jornal Folha da Mata, em 28/05/2020.

Em recente notícia, o Ministério Público de Minas Gerais - MPMG -  anunciou uma ação que apontou irregularidades na autorização dada pela Prefeitura de Viçosa para a demolição do imóvel localizado na rua Bueno Brandão, 320. A liminar estabelece que a Prefeitura faça um projeto arquitetônico e que o imóvel seja reconstruído pelos proprietários. Mas, será que a reconstrução de um imóvel é a melhor solução? A única solução?

As Cartas Patrimoniais, importantes documentos produzidos ao longo de nove décadas de discussão mundial sobre o patrimônio histórico e cultural, apontam uma série de restrições quanto à reconstrução. Admitem-na como solução apenas em casos de destruição do imóvel por guerra ou  por catástrofes naturais (Carta de Cracóvia, 2000). Assim foi feito com a reconstrução da igreja matriz de São Luiz do Paraitinga (SP) depois de uma inundação que a destruiu praticamente toda. Em outra Carta, a de Burra (1980, Cidade australiana), fica definido que a reconstrução deve se limitar à colocação de elementos destinados a completar uma entidade desfalcada e não deve significar a construção da maior parte da substância de um bem. Restauradores famosos, como Cesare Brandi, alegam que os resultados implicam falso histórico, o que também é respaldado na Carta de Veneza (1964).

O Conselho Municipal de Cultura e Patrimônio Cultural e Ambiental de Viçosa – CMCPCA – negou por duas vezes o pedido de demolição do referido imóvel, em 2014 e 2017. Aprovou-a apenas no terceiro pedido, em 2019. Durante todo esse tempo, o CMCPCA entendeu que os proprietários solicitavam a autorização para a demolição do bem, pois os possíveis compradores só se interessariam pelo terreno. Aos interessados, proprietários e compradores, o Conselho sugeriu alternativas à preservação do imóvel, como, por exemplo, uma segunda construção no terreno, já que este é grande. Era possível construir um edifício sem deixar de aproveitar os limites permitidos por lei e ao mesmo tempo recuperar a casa. O Conselho ainda ofereceu a possibilidade de aplicar outros incentivos ao imóvel existente, como isenção de impostos e a utilização do instrumento da transferência de potencial construtivo, já previsto no Plano Diretor de 2000.  Nada disso foi aceito. A casa foi demolida e o terreno transformado em estacionamento. Foi uma perda desnecessária, uma perda para o restante do conjunto de arquitetura eclética da avenida, que somada ao Balaústre, à Estação Cultural Hervê Cordovil, ao antigo hotel Rubim e ao Alcântara, compõe a área com maior valor histórico de Viçosa. É o verdadeiro centro da cidade, local de passeios, de compras, de negócios, de serviços, de moradias, de feiras e de festas.

No entendimento de uma colega arquiteta e urbanista, com o qual eu concordo, é necessária a penalização aos responsáveis pela demolição do imóvel, mas a reconstrução dele não vai trazer esse patrimônio de volta. A ser feita justiça, o valor determinado para a reconstrução desse casarão, além das penalidades cabíveis, poderia ser revertido, aplicado na manutenção e na recuperação de bens que subsistem e que poderiam ser revitalizados e preservados para as próximas gerações. Ainda dá tempo de resolver bem essa situação. Que outros fatos tristes como esse não sejam mais permitidos. É possível fazer projetos e construir, concomitantemente, com a preservação de nosso patrimônio. É só usar a inteligência a favor dessa preservação.

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