14 junho 2020

URBANISMO PARA POUCOS

URBANISMO PARA POUCOS

Artigo publicado no jornal Folha da Mata, Viçosa-MG, em 12/06/2020.

A Câmara Municipal de Viçosa aprovou, em março de 2020, uma lei que denomina Avenida Aguinaldo Pacheco um trecho de mais de 10 km de extensão de vias rurais na região entre  Paula e  Violeira. Em outro fato, a Prefeitura asfaltou o trecho entre o câmpus da UFV e os condomínios dos Cristais. Esses dois fatos mostram um rodoviarismo segregador, estratégia para beneficiar soluções viárias a fim de atender aos interesses dos grandes incorporadores. O problema é que são dadas prioridades aos que têm mais, em detrimento da melhoria da infraestrutura urbana nos bairros mais humildes.

Há, nas entrelinhas dessa homenagem ao Sr. Aguinaldo, uma forma predadora de planejamento urbano, sem coerência e sem participação popular. A lei que batiza uma via é uma maneira de inserir as intenções de definir o uso e a ocupação do solo na forma com que os interesses imobiliários querem. Não adianta definir regras para uma via ainda rural tortuosa, não pavimentada, pouco habitada, sem estabelecer regras para as áreas adjacentes. São regras ruins e insuficientes, com uma avenida com tal extensão e apenas 7 metros de largura. Esse trecho está previsto desde 2000 como possível anel viário, o qual se caracterizaria como uma via arterial, com quatro pistas e afastamentos adequados. Mas isso está sendo ignorado, pois interessa apenas valorizar uma área comprada por um pequeno grupo de especuladores. Não precisamos de mais batismos, precisamos gerar e fazer nascer corretamente o desenvolvimento urbano, com uma visão menos míope. Tenho muitas dúvidas se o homenageado concordaria com o que foi aprovado, pois ele tinha uma grande competência em urbanismo. Esse zoneamento, mascarado de homenagem, soma-se ao da Av. Geraldo Reis (alguém sabe onde fica?). Essa “urbanização” predatória que já ocorre no Paraíso sem lei, que não quer lei, agora se estende à região leste da cidade.

Quanto ao asfaltamento do trecho de ligação entre o câmpus e os condomínios desertos dos Cristais, esse foi feito com recursos públicos. A região é uma nova zona urbana criada para permitir a construção dos condomínios, ao longo da “Nova Av. P.H. Rolfs”. Os empreendedores asfaltaram apenas o trecho das áreas dos condomínios. Uma ligação com cerca de 800 metros ficou em chão de terra até a Prefeitura asfaltar, acredito que com recursos públicos. No entanto, esse encargo deveria ser feito às custas dos loteadores. Questiono se esse asfalto era realmente uma prioridade para Viçosa, uma vez que, além de uma recessão à vista, há inúmeras vias, nas áreas urbanas densamente povoadas, em condições lamentáveis, como fartamente noticiado neste jornal, há décadas. Os benefícios aplicados nas regiões carentes seriam mais justamente distribuídos.

Viçosa, ainda sem seu Plano Diretor revisado, continua sendo moldada, zoneada aos gostos dos poderosos agentes da construção civil, com endosso dos poderes executivo e legislativo, e sem discussão com a população. Sua população carente fica com os ônus diários e os grandes proprietários de terras com o bônus, em médio e longo prazos. Falta aos gestores e legisladores uma visão ampla, democrática e a longo prazo para Viçosa. Planejamento urbano é muito mais que asfalto para a elite, muito mais que ações rodoviaristas ou homenagens controversas. O que aqui é praticado é muito ruim para a cidade, pois acarreta mais segregação socioeconômica e injustiça social.

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