Para entender um pouco o processo participativo de um plano rejeitado
OS PROCESSOS PARTICIPATIVOS DO PLANO DIRETOR DE VIÇOSA,
MINAS GERAIS, BRASIL
IV ENAMPARQ
PORTO ALEGRE 2016
https://enanparq2016.files.wordpress.com/2016/09/s40-07-stephan-i.pdf
Temas de discussão: Arquitetura e Urbanismo. Planejamento Urbano. Patrimônio Histórico. Futuro das cidades. Pequenas e médias cidades. Architecture and Urban Planning. Heritage. The future of the cities.
OS PROCESSOS PARTICIPATIVOS DO PLANO DIRETOR DE VIÇOSA,
MINAS GERAIS, BRASIL
IV ENAMPARQ
PORTO ALEGRE 2016
https://enanparq2016.files.wordpress.com/2016/09/s40-07-stephan-i.pdf
A Câmara Municipal de Viçosa tem, em 2021, uma composição inédita. Das quinze cadeiras, só um vereador permaneceu e um outro voltou para um novo mandato. São, portanto, treze marinheiros de primeira viagem em um dos pilares da democracia. É uma renovação potencialmente favorável, positiva para Viçosa, e, ao mesmo tempo desafiadora. Do mandato anterior, receberam para tramitar uma minuta de revisão do plano diretor e uma proposta para revisão da lei de uso e ocupação do solo (Lei 1420/2000, ainda vigente). São documentos altamente complexos que merecerão muito esclarecimento e muita conversa.
Como escrito em artigos anteriores, a proposta de revisão do plano diretor de 2020 tem sérios problemas, tanto pela ausência da participação popular, quanto pelo conteúdo (uma versão anêmica da proposta de 2019, com cerca de 50% do conteúdo removido). Outro ponto complicado: os vereadores receberam uma minuta só com o texto e sem os anexos (mapas desatualizados e tabelas) que apenas os delegados do plano reprovado em 2019 receberam. A versão final entregue à Câmara é uma incógnita e deveria ser amplamente divulgada, e muito discutida, antes de ser votada.
Portanto, creio ser muito prudente que os vereadores ouçam os autores das propostas do Plano Diretor de 2019, entregue à Câmara em 2020 e das alterações da Lei 1420. Antes de qualquer decisão, os vereadores devem ouvir os argumentos de cada um deles, devem ser esclarecidos a respeito dos inúmeros pontos e dúvidas que certamente surgirão. Eles devem saber quais foram os pontos supostamente polêmicos que contribuíram para a rejeição de um; quais os motivos da ausência de uma participação popular legítima e da remoção de grande parte do conteúdo da minuta de 2020, e quais os motivos das alterações da 1420. Creio ser importante cuidar primeiro do Plano Diretor e depois da Lei 1420.
Porém, há uma condição essencial. Complementarmente, deverá haver novas audiências públicas para validação do plano. Os conflitos devem ser claramente expostos para uma solução definitiva e consensual de um processo que se protela desde 2005, prazo estabelecido pelo Plano Diretor vigente (desde 2000) para a primeira revisão, coisa que não ocorreu até hoje. Deve-se colocar na mesma mesa e simultaneamente: os agentes do setor da construção civil (construtores, incorporadores, corretores); os engenheiros, arquitetos e urbanistas; os técnicos da área de planejamento urbano, de meio ambiente, de saneamento, de infraestrutura e de patrimônio cultural; os vereadores; os representantes da sociedade civil organizada; a população em geral; os técnicos da prefeitura e professores da UFV. Deve-se evitar a forma com que tem acontecido, ou seja, a ausência dos setores importantes nas reuniões e suas intervenções anacrônicas e contraditórias, que surgem apenas quando as propostas resultantes dos processos participativos já estão na casa legislativa.
Não é tarefa fácil, mas não há outra maneira além de recuperar um processo participativo no aperfeiçoamento dessas importantes leis. Todos poderão aprender muito, colocar suas opiniões, ajudar a decidir questões muito importantes para o município inteiro, sem soluções individualistas, e sem omissões. Viçosa precisa virar essas páginas e ter atualizada sua legislação urbanística, para ter condições de gerir e planejar seu território, de seguir em frente, da forma mais sustentável possível.
Uma nova minuta de plano diretor foi encaminhada à Câmara Municipal, mas não deve ser votada este ano. Trata-se de uma nova versão do plano reprovado em novembro de 2019. O principal motivo alegado foi o de que ela fora feita sem participação popular. Essa justificativa é facilmente constatável. Na minha opinião, além dessa falha gravíssima, o conjunto de documentos encaminhados é apenas uma versão desfigurada do amplo material produzido ente 2016 e 2019. A seguir, aponto alguns problemas.
Artigo publicado em 31/12/2020, no jornal Folha da Mata, Viçosa-MG.
Os pontos mais delicados da minuta 2019, ou de qualquer plano, são as questões referentes ao uso e ocupação do solo. Essas definem o que, o quanto e como pode ser construído em determinada região da cidade, o que o plano define como zona. Estabelecem, dentre outras, as regras para construção, como afastamentos, taxas de ocupação, altura máxima e quantidade mínima de vagas de estacionamento. Também regulam que tipo de uso é permitido, com o objetivo de evitar usos incompatíveis, tais como polos geradores de tráfego e indústrias poluentes. Essas regras são o que mais interessam ao setor da construção civil. Por isso, se o setor as considera prejudiciais aos lucros que podem obter, esse tende a cobrar por regras mais favoráveis. No entanto, em um adequado planejamento urbano, outros aspectos têm de ser considerados. Dentre eles, estão a densidade habitacional, a capacidade de suporte da infraestrutura (viária e saneamento), a capacidade de drenagem e a topografia. Esses pontos, que chamamos parâmetros urbanísticos, presentes na versão 2019, foram subtraídos para a versão 2020, para comporem uma lei a ser regulamentada posteriormente.
Ademais, a versão 2020 apresentou um mapa com um zoneamento modificado e com problemas. Isso não foi apresentado ao público, nem discutido. Por exemplo, foi alterado o zoneamento na região do Paraíso (alterado para Zona de Expansão Urbana); foi incluída uma Zona Central (?) na região dos Cristais, localizada a vários quilômetros do centro. Foi incluído um anexo com uma lista de vias urbanas e quais zonas pertenceriam. Eis aí um grande problema. Como é que um plano pode definir as zonas e a quais delas pertencem as vias sem definir o que pode ser construído? Aprovar um plano com essa falha grotesca é como deixar um cheque em branco assinado. Essas peças não poderiam estar no plano.
Por último, mas não por fim, foram retirados pontos importantíssimos da minuta. São os que tratavam das atribuições do IPLAM e do Conselho Municipal de Planejamento (Complan) - um capítulo inteiro. Esses desfalques vão contra o que estabelece o Estatuto da Cidade, quando inclui como elemento obrigatório de um plano o sistema de acompanhamento e controle. Além do mais, enfraqueceriam o importante órgão municipal.
Portanto, esse plano não deve ser aprovado pela nova bancada da Câmara Municipal. Como tratado em artigo anterior, um plano feito sem participação, remendado em gabinete e com tantos problemas, não pode ser aceito. A reprovação em última votação, da minuta em 2019, trouxe enorme prejuízo e mais atraso para Viçosa. Uma versão desfigurada, feita entre quatro paredes (e que pretendeu aproveitar os delegados de um processo rejeitado) não pode ir adiante. Uma vez reprovado em 2019, deveria ter sido iniciado um processo a partir do zero.