25 agosto 2024

O QUE É CIDADE?


 Artigo publicado no jornal Folha da Mata, Viçosa, em 22 de agosto de 2024.

Numa defesa de qualificação de doutorado de uma orientanda minha, um dos membros da banca, um geógrafo começou sua apreciação com uma pergunta que não saiu mais da minha cabeça. Ele perguntou: Afinal o que é uma cidade? Tantos autores, geógrafos, arquitetos e urbanistas, engenheiros, sociólogos se dedicam há décadas para tentar decifrar essa maravilhosa criação humana: a cidade. Trago aqui apenas algumas reflexões, depois de fazer alguns recortes, amparados nas minhas experiências de vida e profissional, nos livros que li e escrevi, nos artigos e matérias da mídia que ousei publicar. Parafraseio a geógrafa Ângela Endlich, ao partir da premissa de que são múltiplas e variadas as pequenas, médias e grandes cidades e que as diferenciam, entre outros aspectos, pela origem, localização geográfica, dimensão demográfica e desenvolvimento econômico.  São também múltiplos os seus agentes, atores protagonistas ou coadjuvantes, os quais diferenciam a origem, a idade, a cor da pele, o sexo, a condição de saúde, a qualidade do ensino, a condição financeira, as relações sociais e tantos outros aspectos.

A grande maioria das cidades brasileiras mal alcançam os vinte mil habitantes. Há aquelas com menos de mil habitantes e as grandes que chegam aos mais de 21 milhões, como São Paulo. Há cidades muito antigas que passaram por diversas fases econômicas (mineração, pecuária, açúcar, café, industrialização, prestação de serviços). Há cidades mais recentes, como as criadas em torno de grandes indústrias. Além dos prédios e ruas, uma cidade, independentemente de seu porte populacional, é formada por um sem-número de agentes e vivências. Numa cidade há moradores em diferentes lugares, em diferentes condições, desde em bairros com infraestrutura adequada, com casas espaçosas e modernas, a subúrbios de infraestrutura precária e sub habitações insalubres.  Os cidadãos são pessoas brancas, pardas ou pretas, no entanto, a cor da pele, infelizmente, ainda é um marcador de pobreza ou de riqueza, um diferenciador de ocupação no espaço urbano.

Na cidade, grande parcela da população é formada por trabalhadores, que precisam se deslocar diariamente, seja de automóvel particular, seja de ônibus, de bicicleta ou a pé. Há quem more próximo do local de trabalho; há quem desperdiça 2, 3, 4 horas por dia no eixo casa-trabalho, ou casa-trabalho-escola. Os trabalhadores encontram postos de trabalho em escritórios confortáveis, em fábricas, atrás de balcões ou enfrentam tarefas pesadas em limpeza e obras. São comerciantes, construtores, profissionais liberais, funcionários públicos. São, entre muitas outras categorias, professores, balconistas, pedreiros, diaristas, serventes ou motoboys.

Em qualquer cidade, as vivências se diferem amplamente. Há idosos e crianças (cada vez menos) que veem sua cidade de diferentes escalas. As mulheres são as que mais se utilizam do espaço urbano pois, ao contrário dos homens, quase sempre incorporam, além do trabalho as tarefas domésticas, obrigações de levar filho à escola ou ao médico; fazer compras, cuidar dos pais etc. Uma cidade abriga políticos, construtores, planejadores, empresários, preservacionistas, ambientalistas, cada qual com suas abordagens e interesses, muitas vezes conflituosos; prejudiciais à qualidade de vida e ao meio ambiente. O grande desafio de qualquer cidade é a busca de equilíbrio dessas diferentes forças, sem prejuízos ou privilégios. Isso exige um ampla visão de quem a governa, coisa rara no país.  Visão esta que pode ser construída a muitas mãos, com a participação de todos os interesses nas discussões do destino da cidade, desde que ouvidos e atendidos. Governar uma cidade exige competência para lidar com conflitos, para construir pactos. Com as eleições municipais se aproximando, prestemos atenção em qual candidato terá condições de lidar com essa complexa, rica, admirável estrutura, que chamamos de cidade.

DOIS ÍCONES DO PATRIMÔNIO CULTURAL DE JUIZ DE FORA

Atividade de divulgação da tradicionalíssima Festa Alemã na escadaria do Cine-theatro Central, um ícone arquitetônico de Juiz de Fora-MG.
Foto Ítalo Stephan, agosto 2024.
 

16 agosto 2024

SELEÇÃO - MESTRADO E DOUTORADO


Vem aí!

Edital para seleção de mestrado e doutorado em Arquitetura e Urbanismo, do Programa de Pós-graduação do DAU - UFV! 

Venham estudar em Viçosa!

11 agosto 2024

TODO CUIDADO É POUCO

 Artigo publicado no jornal Folha da Mata, em 9/8/2024

O sociólogo Roberto da Matta lançou, há uns quinze anos, quando publiquei um artigo sobre trânsito urbano, um livro chamado "Fé em Deus e pé na tábua", após estudar o comportamento do brasileiro no trânsito. Mesmo sem ler a obra, todos nós podemos imaginar como é. O autor confirma a imagem do "bom" motorista, que é aquele que não segue as regras de trânsito. Para ele, há um estilo bem brasileiro que apavora observadores externos, como entrar na vaga na frente do outro, fechar o motorista do lado; "costurar" entre pistas diferentes. Acrescento ao conjunto da obra: não usar cinto de segurança; usar aplicativo para saber onde há blitz; passar pelo acostamento ou subir nas calçadas; buzinar sem necessidade; aproveitar os primeiros segundos após o sinal ficar vermelho etc.

Da Matta chamou de estilo "Carlota Joaquina", que reproduz relações aristocráticas e atrasadas. Quando Dona Carlota passava, todos tinham de parar, ajoelhar e tirar o chapéu em reverência. O trânsito é um meio repleto de embates entre os motoristas; que se consideram melhores que os outros. Há, no trânsito, disputas entre motoristas e motoqueiros, motoristas e ciclistas ou pedestres, idosos e jovens, homens e mulheres. São, como todos sabemos, disputas covardes para os pedestres e ciclistas, muitas vezes danosas, até mesmo letais. Passam os anos e essas infrações, ainda, na quase totalidade, permanecem impunes. Todos sabemos que são muitas as pessoas acidentadas por causa das motos que dão entrada nos hospitais todos os dias. Os jornais noticiam, todas as semanas acidentes graves e até mortes, com envolvimento de motocicletas. Em qualquer cidade onde há sinalização semafórica, em um dia qualquer, é absolutamente certo que haja ultrapassagens de sinal vermelho. A toda hora vemos motoristas dirigindo e falando ao celular. A bebida alcoólica continua a ser amplamente consumida por motoristas. Faixa dupla não inibe ultrapassagens. O som altíssimo de alguns automóveis despeja ruídos como se nossos ouvidos fossem penicos. Motoboys apressados e imprudentes nos assustam a cada momento. Faixas elevadas e quebra-molas não são obstáculos para os motoqueiros.

O jeitinho brasileiro, o estilo “Carlota Joaquina”, a certeza da impunidade são marcas que precisam ser apagadas e substituídas por relações de educação e de respeito, e quando isso não ocorre, por uma penalização efetiva. O trancamento de um cruzamento precisa ser substituído pela gentileza, a travessia de faixas de pedestres deve ser garantida.  A preferência da travessia nas faixas ainda não “pegou” em muitas cidades, mas deve ser “negociada”, como se faz em Brasília, onde quase todos os motoristas param com a sinalização do pedestre. Esse hábito saudável acaba de ser considerado como patrimônio imaterial na nossa capital federal. Em Viçosa, há um certo descuido, pois os pedestres imprudentemente atravessam sem olhar. 

A educação (entende-se o termo em toda a sua amplitude, onde entram o conhecimento, o respeito, a ética, a cidadania, a alteridade, a polidez, a prudência, a paciência e os bons modos) é a melhor forma para resolver grande parte os problemas de trânsito, mas demanda muito tempo. No Brasil, "ser um bom motorista significa dirigir com o pé na tábua. Quem dirige bem é barbeiro". Até quando isso ficar assim? Até quando haverá tanta impunidade? Até quando este estilo deplorável vai continuar ferindo e matando muitas pessoas, alterando destinos de famílias inteiras? Quinze anos se passaram desde o livro, e os índices de acidentes continuaram a crescer.


10 agosto 2024

MERCADO DE ORIGEM, BELO HORIZONTE

O Mercado de Origem é um novo centro de promoção da cultura, da gastronomia e do agronegócio mineiro. Localizado no bairro Olhos D'Água, em Belo Horizonte, o prédio conta com lojas, feiras, espaço para eventos, fábricas de cerveja e cachaça entre outros. Vista da fachada.

Primeiro pavimento. 
Possui 20.000 metros quadrados.

O Mercado de Origem, é uma ampla obra de retrofit com alteração no uso: um obsoleto prédio usado como motel saiu de cena e Belo Horizonte ganhou um mercado Foto do segundo pavimento.

Terceiro pavimento, com bares e restaurantes
Fotos Ítalo Stephan, agosto 2024.

Ver mais em: https://www.youtube.com/watch?v=qawb0QWQ8oY 

PALESTRA NA CASA DO BAILE


Palestra do arquiteto e urbanista João Diniz, no auditório da Casa do baile, na Pampulha.

Foto oficial (uma delas) da viagem de estudos  com os estudantes de arquitetura e urbanismo da UFV, da turma 2023.

Casa do Baile, ao entardecer.

Fotos Ítalo Stephan, agosto de 2024.

03 agosto 2024

SEDE DE CARA NOVA

A sede do nosso programa de pós-graduação -- PPG.au/DAU, de cara nova, com a iluminação e ventilação que merece.
Foto Ítalo Stephan, agosto de 2024

 

SALVE BUIEIÉ!


Artigo publicado no jornal Folha da Mata, em 25/07/2024

Muitos descendentes de escravos vivem aqui em Viçosa; vários deles em comunidades quilombolas. Há na região, grupos no Romão dos Reis, nos distritos de São José do Triunfo e em Cachoeirinha.  Há um grupo que mora num povoado localizado quase na zona rural, conhecida como Buieié. São cerca de 100 famílias quilombolas. Esses moradores procuram ajudar seu povo, pois têm um forte apego ao lugar, baseado nos vínculos de parentesco e de amizade. Suas origens vêm de uma população de ex-escravos que se constituiu, a partir da sua libertação e que conseguiu terras, por compra ou por doação, nos arredores da antiga propriedade de engenho de açúcar. Daí em diante, as terras foram sendo repassadas de pais para filhos, depois para os netos, e, de geração em geração, a comunidade se manteve. Mesmo assim, muitos perderam as terras, invadidas por aqueles que se diziam donos, pois sequer tinham documentos, no máximo uns recibos de que pagavam impostos à Igreja. Desses parentes, pouco se sabe, pois sumiram no mundo depois de expulsos. 

Nessa comunidade, até hoje, mantém-se o arranjo do tipo casa (quase todas de alvenaria), quintal, paiol, terreiro para uma horta, galinheiro e uma pequena área, principalmente para cultivo de milho, feijão e mandioca. Infelizmente, não há serviços de saúde dentro da comunidade. Quem precisa de atendimento é atendido pelo Posto de Saúde da Família, que fica a oito quilômetros. Há, uma vez por semana pela manhã, uma equipe para atender na comunidade. As crianças usam o transporte escolar. Para trabalhar, os adultos dependem de transporte particular, quase tudo à base de motocicleta, pois o transporte público não oferece opções de horários. Para estudar, as coisas ficam mais difíceis, pois restam aos trabalhadores os cursos noturnos e não há ônibus que os deixem sequer perto de casa. Quem quer estudar tem de se virar. Dá-se um jeito, pois estudar é a chance de mudar as suas vidas e a da comunidade. 

Os quilombolas são gente resiliente, consciente. Trazem consigo a força dos ancestrais, uma história triste, mas rica para eles e para nossa complexa sociedade. Os quilombolas se organizam em um importante projeto, o Buieié Projeto Social. Principalmente, suas moradoras são guardiãs de saberes tradicionais e enfatizam a dura trajetória de lutas invisibilizadas pela sociedade patriarcal e machista. Organizaram-se como forma de resistência às opressões. Trabalham em busca do empoderamento e da apropriação da sua história. Buscam gerar renda por meio da produção de alimentos e do artesanato. Organizam uma feira como espaço para comercialização e geração de renda local, valorizando os seus vários produtos.  Há, por parte do projeto, um grande incentivo para os jovens voltarem a estudar e chegar às universidades públicas. Os moradores estão presentes em conselhos municipais, estão associados em organizações parceiras, em coletivos estaduais e nas Universidades. Entendem que só avançarão, se participarem fortemente desses grupos e trazerem a realidade para o centro do debate. 

Os quilombolas do Buieié querem dar visibilidade à cultura local e denunciar as muitas precariedades e mazelas que o poder público municipal tem deixado à comunidade. Estão construindo saberes e ações que devem servir de modelo para as ademais comunidades. Lembro que o Buieié foi identificado como uma Zona de Especial Interesse Social - ZEIS, pelo Plano Diretor. Isso lhes dá uma oportunidade de estabelecer condições urbanísticas especiais para oferecer moradia digna para a população da baixa renda, por intermédio de melhorias urbanísticas, recuperação ambiental e regularização fundiária, mas isso não sairá do papel, se não houver cobrança. Força, quilombolas, parabéns, quilombolas do Buieié!