03 agosto 2024

SALVE BUIEIÉ!


Artigo publicado no jornal Folha da Mata, em 25/07/2024

Muitos descendentes de escravos vivem aqui em Viçosa; vários deles em comunidades quilombolas. Há na região, grupos no Romão dos Reis, nos distritos de São José do Triunfo e em Cachoeirinha.  Há um grupo que mora num povoado localizado quase na zona rural, conhecida como Buieié. São cerca de 100 famílias quilombolas. Esses moradores procuram ajudar seu povo, pois têm um forte apego ao lugar, baseado nos vínculos de parentesco e de amizade. Suas origens vêm de uma população de ex-escravos que se constituiu, a partir da sua libertação e que conseguiu terras, por compra ou por doação, nos arredores da antiga propriedade de engenho de açúcar. Daí em diante, as terras foram sendo repassadas de pais para filhos, depois para os netos, e, de geração em geração, a comunidade se manteve. Mesmo assim, muitos perderam as terras, invadidas por aqueles que se diziam donos, pois sequer tinham documentos, no máximo uns recibos de que pagavam impostos à Igreja. Desses parentes, pouco se sabe, pois sumiram no mundo depois de expulsos. 

Nessa comunidade, até hoje, mantém-se o arranjo do tipo casa (quase todas de alvenaria), quintal, paiol, terreiro para uma horta, galinheiro e uma pequena área, principalmente para cultivo de milho, feijão e mandioca. Infelizmente, não há serviços de saúde dentro da comunidade. Quem precisa de atendimento é atendido pelo Posto de Saúde da Família, que fica a oito quilômetros. Há, uma vez por semana pela manhã, uma equipe para atender na comunidade. As crianças usam o transporte escolar. Para trabalhar, os adultos dependem de transporte particular, quase tudo à base de motocicleta, pois o transporte público não oferece opções de horários. Para estudar, as coisas ficam mais difíceis, pois restam aos trabalhadores os cursos noturnos e não há ônibus que os deixem sequer perto de casa. Quem quer estudar tem de se virar. Dá-se um jeito, pois estudar é a chance de mudar as suas vidas e a da comunidade. 

Os quilombolas são gente resiliente, consciente. Trazem consigo a força dos ancestrais, uma história triste, mas rica para eles e para nossa complexa sociedade. Os quilombolas se organizam em um importante projeto, o Buieié Projeto Social. Principalmente, suas moradoras são guardiãs de saberes tradicionais e enfatizam a dura trajetória de lutas invisibilizadas pela sociedade patriarcal e machista. Organizaram-se como forma de resistência às opressões. Trabalham em busca do empoderamento e da apropriação da sua história. Buscam gerar renda por meio da produção de alimentos e do artesanato. Organizam uma feira como espaço para comercialização e geração de renda local, valorizando os seus vários produtos.  Há, por parte do projeto, um grande incentivo para os jovens voltarem a estudar e chegar às universidades públicas. Os moradores estão presentes em conselhos municipais, estão associados em organizações parceiras, em coletivos estaduais e nas Universidades. Entendem que só avançarão, se participarem fortemente desses grupos e trazerem a realidade para o centro do debate. 

Os quilombolas do Buieié querem dar visibilidade à cultura local e denunciar as muitas precariedades e mazelas que o poder público municipal tem deixado à comunidade. Estão construindo saberes e ações que devem servir de modelo para as ademais comunidades. Lembro que o Buieié foi identificado como uma Zona de Especial Interesse Social - ZEIS, pelo Plano Diretor. Isso lhes dá uma oportunidade de estabelecer condições urbanísticas especiais para oferecer moradia digna para a população da baixa renda, por intermédio de melhorias urbanísticas, recuperação ambiental e regularização fundiária, mas isso não sairá do papel, se não houver cobrança. Força, quilombolas, parabéns, quilombolas do Buieié! 


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