Artigo publicado no jornal Folha da Mata, Viçosa, em 22 de agosto de 2024.
Numa defesa de
qualificação de doutorado de uma orientanda minha, um dos membros da banca, um
geógrafo começou sua apreciação com uma pergunta que não saiu mais da minha
cabeça. Ele perguntou: Afinal o que é uma cidade? Tantos autores, geógrafos,
arquitetos e urbanistas, engenheiros, sociólogos se dedicam há décadas para
tentar decifrar essa maravilhosa criação humana: a cidade. Trago aqui apenas
algumas reflexões, depois de fazer alguns recortes, amparados nas minhas
experiências de vida e profissional, nos livros que li e escrevi, nos artigos e
matérias da mídia que ousei publicar. Parafraseio a geógrafa Ângela Endlich, ao
partir da premissa de que são múltiplas e variadas as pequenas, médias e
grandes cidades e que as diferenciam, entre outros aspectos, pela origem,
localização geográfica, dimensão demográfica e desenvolvimento econômico. São também múltiplos os seus agentes, atores
protagonistas ou coadjuvantes, os quais diferenciam a origem, a idade, a cor da
pele, o sexo, a condição de saúde, a qualidade do ensino, a condição
financeira, as relações sociais e tantos outros aspectos.
A grande
maioria das cidades brasileiras mal alcançam os vinte mil habitantes. Há
aquelas com menos de mil habitantes e as grandes que chegam aos mais de 21
milhões, como São Paulo. Há cidades muito antigas que passaram por diversas
fases econômicas (mineração, pecuária, açúcar, café, industrialização,
prestação de serviços). Há cidades mais recentes, como as criadas em torno de
grandes indústrias. Além dos prédios e ruas, uma cidade, independentemente de
seu porte populacional, é formada por um sem-número de agentes e vivências.
Numa cidade há moradores em diferentes lugares, em diferentes condições, desde
em bairros com infraestrutura adequada, com casas espaçosas e modernas, a
subúrbios de infraestrutura precária e sub habitações insalubres. Os cidadãos são pessoas brancas, pardas ou
pretas, no entanto, a cor da pele, infelizmente, ainda é um marcador de pobreza
ou de riqueza, um diferenciador de ocupação no espaço urbano.
Na cidade,
grande parcela da população é formada por trabalhadores, que precisam se
deslocar diariamente, seja de automóvel particular, seja de ônibus, de
bicicleta ou a pé. Há quem more próximo do local de trabalho; há quem
desperdiça 2, 3, 4 horas por dia no eixo casa-trabalho, ou
casa-trabalho-escola. Os trabalhadores encontram postos de trabalho em
escritórios confortáveis, em fábricas, atrás de balcões ou enfrentam tarefas
pesadas em limpeza e obras. São comerciantes, construtores, profissionais liberais,
funcionários públicos. São, entre muitas outras categorias, professores,
balconistas, pedreiros, diaristas, serventes ou motoboys.
Em qualquer
cidade, as vivências se diferem amplamente. Há idosos e crianças (cada vez
menos) que veem sua cidade de diferentes escalas. As mulheres são as que mais
se utilizam do espaço urbano pois, ao contrário dos homens, quase sempre
incorporam, além do trabalho as tarefas domésticas, obrigações de levar filho à
escola ou ao médico; fazer compras, cuidar dos pais etc. Uma cidade abriga
políticos, construtores, planejadores, empresários, preservacionistas,
ambientalistas, cada qual com suas abordagens e interesses, muitas vezes
conflituosos; prejudiciais à qualidade de vida e ao meio ambiente. O grande
desafio de qualquer cidade é a busca de equilíbrio dessas diferentes forças,
sem prejuízos ou privilégios. Isso exige um ampla visão de quem a governa, coisa
rara no país. Visão esta que pode ser
construída a muitas mãos, com a participação de todos os interesses nas
discussões do destino da cidade, desde que ouvidos e atendidos. Governar uma
cidade exige competência para lidar com conflitos, para construir pactos. Com
as eleições municipais se aproximando, prestemos atenção em qual candidato terá
condições de lidar com essa complexa, rica, admirável estrutura, que chamamos
de cidade.
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