11 agosto 2024

TODO CUIDADO É POUCO

 Artigo publicado no jornal Folha da Mata, em 9/8/2024

O sociólogo Roberto da Matta lançou, há uns quinze anos, quando publiquei um artigo sobre trânsito urbano, um livro chamado "Fé em Deus e pé na tábua", após estudar o comportamento do brasileiro no trânsito. Mesmo sem ler a obra, todos nós podemos imaginar como é. O autor confirma a imagem do "bom" motorista, que é aquele que não segue as regras de trânsito. Para ele, há um estilo bem brasileiro que apavora observadores externos, como entrar na vaga na frente do outro, fechar o motorista do lado; "costurar" entre pistas diferentes. Acrescento ao conjunto da obra: não usar cinto de segurança; usar aplicativo para saber onde há blitz; passar pelo acostamento ou subir nas calçadas; buzinar sem necessidade; aproveitar os primeiros segundos após o sinal ficar vermelho etc.

Da Matta chamou de estilo "Carlota Joaquina", que reproduz relações aristocráticas e atrasadas. Quando Dona Carlota passava, todos tinham de parar, ajoelhar e tirar o chapéu em reverência. O trânsito é um meio repleto de embates entre os motoristas; que se consideram melhores que os outros. Há, no trânsito, disputas entre motoristas e motoqueiros, motoristas e ciclistas ou pedestres, idosos e jovens, homens e mulheres. São, como todos sabemos, disputas covardes para os pedestres e ciclistas, muitas vezes danosas, até mesmo letais. Passam os anos e essas infrações, ainda, na quase totalidade, permanecem impunes. Todos sabemos que são muitas as pessoas acidentadas por causa das motos que dão entrada nos hospitais todos os dias. Os jornais noticiam, todas as semanas acidentes graves e até mortes, com envolvimento de motocicletas. Em qualquer cidade onde há sinalização semafórica, em um dia qualquer, é absolutamente certo que haja ultrapassagens de sinal vermelho. A toda hora vemos motoristas dirigindo e falando ao celular. A bebida alcoólica continua a ser amplamente consumida por motoristas. Faixa dupla não inibe ultrapassagens. O som altíssimo de alguns automóveis despeja ruídos como se nossos ouvidos fossem penicos. Motoboys apressados e imprudentes nos assustam a cada momento. Faixas elevadas e quebra-molas não são obstáculos para os motoqueiros.

O jeitinho brasileiro, o estilo “Carlota Joaquina”, a certeza da impunidade são marcas que precisam ser apagadas e substituídas por relações de educação e de respeito, e quando isso não ocorre, por uma penalização efetiva. O trancamento de um cruzamento precisa ser substituído pela gentileza, a travessia de faixas de pedestres deve ser garantida.  A preferência da travessia nas faixas ainda não “pegou” em muitas cidades, mas deve ser “negociada”, como se faz em Brasília, onde quase todos os motoristas param com a sinalização do pedestre. Esse hábito saudável acaba de ser considerado como patrimônio imaterial na nossa capital federal. Em Viçosa, há um certo descuido, pois os pedestres imprudentemente atravessam sem olhar. 

A educação (entende-se o termo em toda a sua amplitude, onde entram o conhecimento, o respeito, a ética, a cidadania, a alteridade, a polidez, a prudência, a paciência e os bons modos) é a melhor forma para resolver grande parte os problemas de trânsito, mas demanda muito tempo. No Brasil, "ser um bom motorista significa dirigir com o pé na tábua. Quem dirige bem é barbeiro". Até quando isso ficar assim? Até quando haverá tanta impunidade? Até quando este estilo deplorável vai continuar ferindo e matando muitas pessoas, alterando destinos de famílias inteiras? Quinze anos se passaram desde o livro, e os índices de acidentes continuaram a crescer.


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