A responsabilidade por estarmos vivendo em cidades cheias de problemas sempre foi, principalmente, dos seus governantes, seja por ignorância, por negligência, por irresponsabilidade, ou por atendimento aos interesses eleitorais e os das minorias das elites apoiadoras. Quando reclamamos do trânsito, das enchentes, do atendimento à saúde, da falta de empregos, da falta de segurança, da qualidade do transporte coletivo, é que isso tudo se deve a décadas de inação, à miopia do Estado, nas esferas federal, estaduais e, principalmente, municipais. Somam-se várias as oportunidades perdidas para quebrar esses paradigmas da má qualidade de vida, da exclusão e da injustiça social.
Quantos recursos financeiros foram desperdiçados em obras inúteis ou paliativas, em festas monumentais ou em melhorias urbanas para favorecerem alguns grupos. Os indicadores de saneamento básico, principalmente os da destinação do lixo e do tratamento de esgotos, são vergonhosos. Obras preventivas e de infraestrutura são colocadas em segundo plano e só mencionadas após desastres ambientais. Municípios investem mal no recebimento de royalties, de emendas parlamentares, de incentivos e de elaboração de planos e projetos. Prefeitos insistem em inchar a folha de pagamentos com cargos desnecessários ou fantasmas, apenas para se manterem no poder. Não colocam pessoas capacitadas bem remuneradas nos cargos certos. Raríssimos são os prefeitos capazes de planejar a longo prazo.
A mediocridade e o imediatismo da grande maioria dos nossos governantes não os permitem sequer pensar em trazer mudanças reais, muito menos em deixar um legado para as futuras gerações. A cada ano, amplia-se o fardo herdado pela produção dos espaços urbanos e rurais. As cidades, sem controle do uso do solo, se expandem em vias e calçadas estreitas; em bairros desconectados com a malha urbana. A produção dos espaço urbanos fica à mercê das soluções individualistas de calçadas (descontínuas, inadequadas, interrompidas por rampas), de construções (sem estacionamento, coladas nas divisas e avançadas por cima das calçadas, dentro das áreas de preservação permanente). Prefeitos “jogam” conjuntos populares nas bordas da cidade, em locais sem infraestrutura e sem condições de mobilidade.
É cada vez mais difícil trazer uma boa qualidade de vida a toda a população, com a segregação socioespacial em alta. Além disso, somam-se os caríssimos custos de gestão provocados pela irrefreada dispersão urbana e pelo sobrecarregado custo de uma inchada máquina administrativa. Conseguem alguma melhoria os mais amigos dos políticos, numa disputa egoísta do tipo “farinha pouca, meu pirão primeiro”.
Ainda dá tempo, se nossos próximos prefeitos forem, além de competentes, corajosos e, ao menos, um pouco visionários. As cidades estão perdendo suas identidades. Para que isso não aconteça, deve-se, entre outros aspectos, preservar seu patrimônio cultural com base na contínua educação patrimonial e na oferta de incentivos. Deve-se adotar regras adequadas de uso e ocupação do solo e de fiscalização de obras; inserir moradia popular no meio da malha urbana; executar obras de drenagem e impedir a ocupação em encostas e nas margens dos cursos d’água. Além disso, cada município tem seus potenciais para um bom desenvolvimento, seja para indústria, agroindústria, pecuária, turismo, cultura, educação, serviços, comércio etc.
Há, em Minas Gerais, bons exemplos de quebra de paradigmas, como: Rio Doce (gestão urbana de qualidade); Santa Rita do Sapucaí (filosofia da Cidade Criativa, Cidade feliz); Dores do Turvo (legislação de uso e ocupação do solo). Cada município tem recursos humanos capazes de, se bem utilizados e incentivados, sair do marasmo, quebrar a mediocridade, avançar e ser mais justo para com seus moradores. O ano de 2025 será o começo de novos mandatos municipais, mais novas esperanças de começar a mudar de verdade, alguma coisa.
De Paulo Tadeu Leite Arantes:
ResponderExcluirGostei muito do seu texto meu caro amigo e colega Ítalo Stephan
Gostaria apenas de fazer um adendo. uma vez que vc colocou a palavra “legado” no título do seu artigo.
No meu entender vc deixa um legado qdo faz algum tipo de intervenção na cidade e ela se transforma de tal forma que nunca mais voltará a ser o que era antes.
Exemplo: a criação da ESAV, depois UREMG e, mais recentemente, a UFV foi um extraordinário legado deixado por Arthur Bernardes.
O que era esta cidade antes desta instituição, comparado com o que ela é hje?
Então, a pergunta que caberia hje, quase um século depois é: qual ou quais legados os políticos locais deixaram para esta cidade?
Qual, ou quais transformações radicais aconteceram desde a sua fundação, ocorrida há noventa e oito anos atrás?
Como vc citou no seu artigo a experiência de Santa Rita do Sapucaí SRS, no caso o projeto: Cidade Criativa Cidade Feliz - CCCF, projeto este que tive o privilégio de ser seu idealizador, juntamente com o então vice-prefeito prof. Wander Chaves, ele nasceu com este propósito, ou seja, de deixar um legado para a cidade.
Passados doze anos, desde o seu nascedouro, três gestões, uma pandemia, e agora, com o novo prefeito eleito apoiado pelo que sai, o que assegura mais quatro anos de continuidade, o CCCF vai se consolidando como um enorme e significativo legado para esta cidade, de pouco mais de quarenta mil habitantes, colecionando conquistas e premiações de reconhecimento de sua importância.
Segundo o prefeito que concluiu seu mandato recentemente:
“Ao longo dos anos partilhamos conhecimentos sobre cidade criativa cidade feliz- um modelo de educação para cidades.
A necessidade de tornar as cidades um território capaz de conectar culturas,inovação e negócios é vital.”
Resumindo: deixar um legado, muito mais do que um slogan, exige, do administrador local: visão de futuro e perseverança, afinal, iniciativas como a fundação de uma universidade, ou a restruturação de uma coletividade leva tempo, e isso é algo que nossos políticos, que tem visão de no máximo quatro anos, não têm