29 junho 2025

O CHARME DAS PEQUENAS CIDADES

 


Artigo publicado no jornal Folha da Mata, Viçosa-MG, em 26 de junho de 2025.

As cidades, independentemente de seu porte, são os núcleos urbanos que sediam os municípios. Para este texto, pequenas cidades são consideradas aquelas com menos de dez mil habitantes. As dificuldades enfrentadas por esses municípios menores são amplamente conhecidas: perda ou estagnação populacional, dificuldades orçamentárias, escassez de pessoal técnico para a administração, limitações no acesso ao ensino mais avançado, atendimento hospitalar inadequado para casos mais graves, problemas ambientais, entre outros. As soluções para esses desafios também são conhecidas, embora pouco aplicadas: maior vontade política para inovar, ampliação da capacitação técnica, melhoria na motivação dos funcionários, execução de um planejamento territorial adequado, criação de mecanismos de controle do ordenamento das construções, aplicação correta dos recursos públicos, participação em consórcios intermunicipais, etc. Há muito dinheiro público desperdiçado, como aquele investido em shows de artistas de alto cachê, em vez de ser aplicado em melhorias duradouras.

No entanto, as pequenas cidades não vivem apenas de problemas. Muitas apresentam qualidades que acabam por atrair de volta seus nativos e também visitantes. Oferecem a tão desejada tranquilidade, maior convivência social, menos violência e mais ar puro. Algumas cidades bem administradas contam com uma ampla gama de equipamentos de saúde (unidade mista), assistência social (CRAS, lar de idosos, creches), cultura (auditório, biblioteca, centro cultural), lazer (praças bem cuidadas e arborizadas, parques urbanos) e esportes (quadras diversas e campos de futebol). Esse conjunto, quando bem utilizado, garante boa qualidade de vida aos moradores. Bem geridos, esses equipamentos públicos abrigam uma convivência social rica e estimulada. Já ouvi de alguns moradores que preferem o atendimento ambulatorial local ao das cidades maiores. Mais raramente, há pequenas cidades que possuem estação de tratamento de esgotos.

Há, portanto, muitos aspectos positivos nessas localidades. Algumas contam com áreas centrais charmosas e bem cuidadas, que alimentam a autoestima dos moradores e atraem turistas, especialmente quando são bem administradas. Cito aqui Treze Tílias (SC); a florida Domingos Martins, com sua natureza exuberante (ES); e, mais próximas, a simpaticíssima área central de Rio Novo (MG). Incluo ainda a bem cuidada Cajuri, ao longo da desativada linha férrea; as bem estruturadas e bem geridas Canaã e Brás Pires; e o patrimônio arquitetônico e cultural bem preservado de Itaverava. Todavia, em quase todas essas pequenas cidades, observam-se grandes áreas alagáveis devido ao desrespeito às áreas de proteção ambiental, além de periferias negligenciadas, sem acesso à infraestrutura e aos serviços que deveriam atender a todos.

É preciso, portanto, estar atento para não perder esses atrativos. O patrimônio arquitetônico tem sido bastante ameaçado, muitas vezes reduzido a mero cenário para turistas, como ocorre em Tiradentes. Em outros casos, vem sendo até mesmo destruído — e, com ele, perde-se também a identidade local, como em Piranga, Pedra do Anta e Guaraciaba. Os substitutos arquitetônicos, por sua vez, não apresentam boa qualidade funcional ou estética, fazendo com que as cidades se tornem muito parecidas entre si. Estão perdendo identidade, tornando-se mais sem graça, mais feias. O meio ambiente tem sido maltratado pelas ocupações nas margens dos cursos d’água, nas encostas e nos topos dos morros. Ainda há tempo de preservar o que há de bom, otimizar o uso da infraestrutura existente, recuperar a natureza, coibir construções e calçadas prejudiciais à coletividade, desenvolver as potencialidades locais e embelezar as pequenas cidades.


19 junho 2025

PARQUES CURITIBANOS

Jardim Botânico de Curitiba -  278 mil metros quadrados muito bem cuidados, incluindo um bosque com mata atlântica preservada. Projeto liderado pelo arquiteto Abrão Assad, 

Viveiro do Jardim Botânico, 

Ópera do Arame -projeto do arquiteto Domingos Bogestabs. Belíssima estrutura tubular e teto transparente, um dos símbolos emblemáticos de Curitiba. Inaugurada em 1992, acolhe todo tipo de espetáculo, do popular ao clássico, e tem capacidade para 1.572 espectadores.

Parque Tinguá - Lindo parque de 235 mil m², que garante a preservação da bacia norte do Rio Barigui.

Fotos Ítalo Stephan, maio de 2025 

https://turismo.curitiba.pr.gov.br/conteudo/opera-de-arame/1611

15 junho 2025

QUEM PLANEJA AS CIDADES?

Artigo publicado no jornal Folha da Mata, Viçoa(MG) em 12/06/2025

Por muito tempo, os urbanistas acreditaram que poderiam ser os verdadeiros protagonistas do planejamento urbano. Supunham que seriam capazes de estudar e apontar as melhores formas de expansão das cidades; que as leis que propusessem seriam benéficas para o desenvolvimento territorial dos municípios e para seus cidadãos. No entanto, da utopia sonhada emergiu uma realidade distante dos ideais do urbanismo. Houve alguns êxitos: impediram certas intervenções inadequadas; convenceram um ou outro prefeito a adotar medidas sensatas. Embora raros, há bons exemplos de cidades bem-sucedidas em planejamento e gestão territorial, como Curitiba, Maringá (PR), Gavião Peixoto (SP) e Joaçaba (SC). O sucesso desses municípios resultou de dedicação e responsabilidade com o planejamento urbano adequado — e, sobretudo, de continuidade, independentemente da coloração político-ideológica (esse, sim, é um dos fatores mais importantes, claramente constatável).

Os planejadores bem-intencionados elaboravam longos estudos e relatórios, realizavam reuniões e debates públicos, redigiam propostas de lei. Criavam — e ainda criam — congressos para discutir a produção do espaço urbano, a habitação de interesse social, a mobilidade urbana e o meio ambiente. Contudo, quando os planos enfim ficavam prontos, as cidades já eram outras, diferentes dos modelos imaginados. Enquanto se debruçavam sobre o que consideravam boa técnica, sustentada por teorias elaboradas, as cidades mudavam — moldadas por quem tinha pressa de morar, por quem buscava lucro, por quem dependia do voto para sobreviver politicamente. As leis previam regulamentações para depois — e esse depois não acontecia. A defasagem entre os tempos técnicos e os tempos do cotidiano e do setor financeiro afastou a teoria da prática, e a cidade do papel se distanciou da cidade de cimento. Faltou o diálogo necessário para construir pactos em prol de cidades melhores. 

Os gestores eleitos não conseguiram manter o controle necessário, e os problemas urbanos cresceram continuamente. Alguns tentaram; alguns foram mais bem-sucedidos do que outros. Com os olhos fechados — ou fazendo vista grossa — permitiram o desaparecimento de cursos d’água, o desmatamento dos topos de morro; deixou-se construir sem critérios, com prédios muito próximos uns dos outros. As construções, cada vez maiores, avançaram sobre ruas estreitas, sem pavimentação, sem drenagem. A falta de critérios, de planejamento adequado e de fiscalização favoreceu o crescimento da cidade informal rumo às áreas rurais. Como parte do “Sul Global”, nossos problemas urbanos se agravam, ao mesmo tempo que a cada dia surgem novos rótulos urbanísticos como “smart city”, “primeiro bairro planejado”, “cidade inteligente”, “território criativo”, “co-living” ou “home resort”. 

De uns anos pra cá, não se sabe onde termina a cidade e começa o campo — com muitos vazios sem função social; isso encarece, dificulta e compromete a administração urbana com justiça social. Podemos chamar de rurbana a nova forma de transformação da ocupação do solo no território municipal. Além disso, é evidente a predominância do capital privado na produção do espaço urbano, a financeirização imobiliária — com sérios impactos sobre a qualidade de vida — sobretudo pela intensificação da segregação socioespacial — e com grandes prejuízos ambientais. Além disso, estamos cada vez mais expostos aos efeitos das mudanças climáticas. Ainda é possível mudar? Avançar na direção de um novo urbano mais justo e sustentável? É possível pactuar para corrigir, amenizar e conter esse processo prejudicial ao meio ambiente e à coesão social? Teimosamente, há quem acredite no planejamento urbano socialmente justo. Eu sou um desses, tento passar adiante aos meus estudantes. E não estou sozinho. Balanço, mas não caio.


01 junho 2025

CURITIBA: 60 ANOS DE PLANEJAMENTO


Artigo publicado no jornal Folha da Mata, Viçosa-MG, em 29/05/2025

 Acabo de voltar de Curitiba, depois de passar alguns dias naquela bela cidade. Curitiba é muito conhecida, nacional e internacionalmente; é “cantada e decantada” por suas muitas qualidades urbanas. Tem parques urbanos lindos; ficou famosa por ter construído o primeiro calçadão do país (a Rua das Flores) e pelo sistema de transporte coletivo – conhecido como “ligeirinho” e suas estações-tubo. O zoneamento urbano possibilitou maior adensamento residencial ao longo dos eixos estruturais previstos, atendidos por um eficiente sistema de corredores de transporte.

A capital paranaense é tida como a cidade com a maior quantidade de área verde por habitante (60 m²) do Brasil. É um dos dez maiores IDHs – Índice de Desenvolvimento Humano – do país. Tem uma rede viária com amplas avenidas e ruas largas, além de zonas de velocidade reduzida. É uma cidade com ruas muito limpas. Tornou-se exemplo de planejamento e gestão urbana, seguido por metrópoles sul-americanas, como Bogotá e Medellín. Curitiba tem seus méritos, mas também seus problemas, pois faz parte de uma aglomeração com 3,5 milhões de habitantes, da qual contribui com metade da população. Precisa descartar seu lixo em um município vizinho; no entanto, trata 100% do esgoto, e a água da torneira é perfeitamente potável. Precisa substituir grande parte de suas calçadas em pedra por materiais acessíveis e ampliar sua rede cicloviária.

Acima de tudo, é uma cidade planejada ininterruptamente. Isso acontece há 80 anos, desde o Plano Agache, e há 60 anos – sim, 60 anos! – desde a criação do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (IPPUC), em 1965. Um dos criadores da autarquia foi o professor, arquiteto, engenheiro civil, urbanista e político brasileiro Jaime Lerner. Lerner foi, por três vezes, prefeito de Curitiba e, por dois mandatos, governador do Paraná. Atualmente, o IPPUC – que inspirou muitas outras cidades brasileiras (como, por exemplo, os extintos IPLAM, de Viçosa, e o IPPLAN, de Juiz de Fora) – conta com cerca de 100 técnicos trabalhando no planejamento urbano de Curitiba. A cidade teve seu Plano Diretor, coordenado pelo arquiteto Jorge Wilheim, aprovado em 1966. O plano foi revisado em 2004, 2014 e, novamente, em uma revisão iniciada em 2025. Há um processo contínuo de monitoramento e implantação do plano. Permanece a prática de pesquisas, com a incorporação de inovações. Isso demonstra seriedade e mostra que, em Curitiba, o planejamento urbano é levado a sério há décadas, independentemente da corrente ideológica no poder.

Em Curitiba, participei de um evento (XXI Enampur) – o maior realizado até hoje – sobre planejamento urbano, com cerca de 2.000 colegas que se dedicam ao estudo e ao trabalho sobre cidades, apesar das inúmeras dificuldades de ordem técnica e política que enfrentam cotidianamente. São colegas de todas as partes do país, que veem com preocupação as cidades – desde as pequenas até as metrópoles – com seu desenvolvimento sob as pressões do neoliberalismo, que está gerando uma nova forma de cidade, mais injusta e segregada do que nunca. Assim como eu, urbanistas foram à cidade icônica para refazer suas energias, para voltar e lutar por cidades melhores, para achar caminhos nestes tempos em que quem planeja é o setor financeiro.

Foto Ítalo Stephan, maio de 20925