Artigo publicado no jornal Folha da Mata, Viçoa(MG) em 12/06/2025
Por muito tempo, os urbanistas acreditaram que poderiam ser os verdadeiros protagonistas do planejamento urbano. Supunham que seriam capazes de estudar e apontar as melhores formas de expansão das cidades; que as leis que propusessem seriam benéficas para o desenvolvimento territorial dos municípios e para seus cidadãos. No entanto, da utopia sonhada emergiu uma realidade distante dos ideais do urbanismo. Houve alguns êxitos: impediram certas intervenções inadequadas; convenceram um ou outro prefeito a adotar medidas sensatas. Embora raros, há bons exemplos de cidades bem-sucedidas em planejamento e gestão territorial, como Curitiba, Maringá (PR), Gavião Peixoto (SP) e Joaçaba (SC). O sucesso desses municípios resultou de dedicação e responsabilidade com o planejamento urbano adequado — e, sobretudo, de continuidade, independentemente da coloração político-ideológica (esse, sim, é um dos fatores mais importantes, claramente constatável).
Os planejadores bem-intencionados elaboravam longos estudos e relatórios, realizavam reuniões e debates públicos, redigiam propostas de lei. Criavam — e ainda criam — congressos para discutir a produção do espaço urbano, a habitação de interesse social, a mobilidade urbana e o meio ambiente. Contudo, quando os planos enfim ficavam prontos, as cidades já eram outras, diferentes dos modelos imaginados. Enquanto se debruçavam sobre o que consideravam boa técnica, sustentada por teorias elaboradas, as cidades mudavam — moldadas por quem tinha pressa de morar, por quem buscava lucro, por quem dependia do voto para sobreviver politicamente. As leis previam regulamentações para depois — e esse depois não acontecia. A defasagem entre os tempos técnicos e os tempos do cotidiano e do setor financeiro afastou a teoria da prática, e a cidade do papel se distanciou da cidade de cimento. Faltou o diálogo necessário para construir pactos em prol de cidades melhores.
Os gestores eleitos não conseguiram manter o controle necessário, e os problemas urbanos cresceram continuamente. Alguns tentaram; alguns foram mais bem-sucedidos do que outros. Com os olhos fechados — ou fazendo vista grossa — permitiram o desaparecimento de cursos d’água, o desmatamento dos topos de morro; deixou-se construir sem critérios, com prédios muito próximos uns dos outros. As construções, cada vez maiores, avançaram sobre ruas estreitas, sem pavimentação, sem drenagem. A falta de critérios, de planejamento adequado e de fiscalização favoreceu o crescimento da cidade informal rumo às áreas rurais. Como parte do “Sul Global”, nossos problemas urbanos se agravam, ao mesmo tempo que a cada dia surgem novos rótulos urbanísticos como “smart city”, “primeiro bairro planejado”, “cidade inteligente”, “território criativo”, “co-living” ou “home resort”.
De uns anos pra cá, não se sabe onde termina a cidade e começa o campo — com muitos vazios sem função social; isso encarece, dificulta e compromete a administração urbana com justiça social. Podemos chamar de rurbana a nova forma de transformação da ocupação do solo no território municipal. Além disso, é evidente a predominância do capital privado na produção do espaço urbano, a financeirização imobiliária — com sérios impactos sobre a qualidade de vida — sobretudo pela intensificação da segregação socioespacial — e com grandes prejuízos ambientais. Além disso, estamos cada vez mais expostos aos efeitos das mudanças climáticas. Ainda é possível mudar? Avançar na direção de um novo urbano mais justo e sustentável? É possível pactuar para corrigir, amenizar e conter esse processo prejudicial ao meio ambiente e à coesão social? Teimosamente, há quem acredite no planejamento urbano socialmente justo. Eu sou um desses, tento passar adiante aos meus estudantes. E não estou sozinho. Balanço, mas não caio.

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