Publicado no jornal Tribuna Livre, Viçosa, 03/12/2010, p. 6.
O sociólogo Roberto da Matta lançou, em um bom momento, um livro chamado "Fé em Deus e pé na tábua", após estudar o comportamento do brasileiro no trânsito. Mesmo sem ler a obra, todos nós podemos imaginar como é. O autor confirma a imagem do "bom" motorista, que é aquele que não segue as regras de trânsito. Para ele, há um estilo bem brasileiro que apavora observadores externos, como entrar na vaga na frente do outro, fechar o motorista do lado, "costurar" entre pistas diferentes. Acrescento no conjunto da obra: não usar cinto de segurança, passar pelo acostamento ou subir nas calçadas, falar ao celular dirigindo, buzinar sem necessidade ou aproveitar os primeiros segundos após o sinal ficar vermelho etc.
Roberto chama de estilo "Carlota Joaquina", que reproduz relações aristocráticas e atrasadas. Quando Dona Carlota passava, todos tinham de parar, ajoelhar e tirar o chapéu em reverência. Segundo o autor no trânsito não dá instalar sinalização especial para quem é rico" e o fato de querer "entrar na frente, tentar encontrar espaços onde não existem é hierarquizar o espaço". O trânsito é um meio repleto de disputas entre os taxistas e motoristas profissionais, que se consideram melhores que os outros. Há disputas entre motoristas e motoqueiros, motoristas e ciclistas ou pedestres, idosos e jovens, homens e mulheres. São, como todos sabemos, disputas covardes, muitas vezes cruéis e assassinas. Tornam-se também, na quase totalidade, casos impunes.
Em qualquer cidade onde há sinalização semafórica, em um dia qualquer, é absolutamente certo que haja ultrapassagens de sinal vermelho. A toda hora vemos motoristas dirigindo e falando ao celular. A bebida alcoólica continua a ser amplamente consumida por motoristas. Faixa dupla não inibe ultrapassagens. O som altíssimo de alguns automóveis despeja ruídos como se nossos ouvidos fossem penicos. O jeitinho brasileiro, o estilo “Carlota Joaquina”, a certeza da impunidade são marcas que precisam ser apagadas e substituídas por relações de educação e de respeito, e quando isso não ocorre, por uma penalização efetiva. O trancamento de um cruzamento precisa ser substituído pela gentileza, a travessia de faixas deve ser garantida. A preferência da travessia nas faixas ainda não “pegou” em muitas cidades, mas deve ser “negociada”, mais como se faz em Brasília, onde quase todos os motoristas param com a sinalização do pedestre e menos que em Viçosa, onde as pessoas imprudentemente se jogam em cima dos automóveis.
A educação (entende-se o termo em toda a sua amplitude, onde entram o conhecimento, o respeito, a ética, a cidadania, a alteridade, a polidez, a prudência, a paciência e os bons modos) é a melhor forma para resolver grande parte os problemas de trânsito, mas demanda muito tempo. No Brasil, "ser um bom motorista significa dirigir com o pé na tábua. Quem dirige bem é barbeiro". Há muita gente que se acha esperta e que os outros são imbecis. Até quando haverá tanta impunidade? Até quando isso ficar assim? Até quando este estilo deplorável vai continuar ferindo e matando muitas pessoas, alterando destinos de famílias inteiras?
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