13 outubro 2019

RESÍDUOS DE PATRIMÔNIO

Fachada da primeira maternidade de Viçosa.

Artigo publicado no jornal Folha da Mata, Viçosa-G, em 10/10/2019.

É comum ouvir as pessoas dizerem que conservar o patrimônio arquitetônico antigo é ir contra o progresso. Se uma cidade cresce, a demanda por moradias, por serviços e por comércio gera uma pressão pela substituição de edificações preexistentes por novas, sem contar que as áreas bem localizadas são também as mais valorizadas. Se as áreas valorizadas são as centrais, onde se originou a cidade, normalmente onde se concentram prédios históricos, a pressão do setor imobiliário coloca em risco a permanência das edificações consideradas de valor histórico. Isso ocorre em Viçosa, MG, onde o conceito do palimpsesto urbano se dissolve de acordo com o vigor e voracidade econômicos. O desaparecimento do acervo só não foi completo por causa do arrefecimento da economia nos meados da década de 2010.

Como afirma a Carta de Petrópolis, de 1987, a cidade, enquanto expressão cultural, não é eliminatória, mas somatória (de seus prédios).  Segundo a carta, “todo espaço edificado é resultado de um processo de produção social, só se justificando sua substituição após demonstrado o esgotamento de seu potencial sócio-cultural”. Como cidade histórica que é (todas as cidades são históricas), Viçosa mereceria apresentar essa somatória em sua paisagem urbana. O Decreto-lei nº 25, de 30 de novembro de 1937, deixa clara a questão da proteção com a vizinhança. No artigo 18, está definido que sem a prévia autorização do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (atual IPHAN), “não se poderá, na vizinhança da coisa tombada, fazer construção que lhe impeça ou reduza a visibilidade”. Considerando os termos da Constituição Federal, de 1988, compete ao Município estabelecer sua política de desenvolvimento urbano e de editar normas de direito urbanístico.

No Centro, são tombados a Estação ferroviária, o balaústre, a Casa Arthur Bernardes (tombada também em nível estadual), duas escolas e cinco casarões particulares (tombados a pedido dos incorporadores, os quais usaram a transferência do potencial construtivo nos próprios terrenos).  Eles se interessam apenas pelos terrenos,  usam da artimanha de oferecer valores elevados para aqueles que se encontram vazios e valores bem menores para os que têm um imóvel. Como solução, apresentam aos proprietários que estes solicitem ao Conselho Municipal de Cultura e Patrimônio Cultural e Ambiental (CMCPCA) uma autorização para demolição. Recentemente, a casa de número 320 da Av. Bueno Brandão foi demolida dessa forma.

Outros edifícios ameaçados de desaparecer são o Hotel Rubim e o Alcântara. Por motivos de força política, aliada ao setor imobiliário, o Hotel Rubim não foi tombado. Continua fechado sem previsão de início da obra. Com a obra não iniciada, o risco de deterioração irreversível se amplia. O edifício Alcântara está a um passo da ruína. Em Viçosa, é o patrimônio arquitetônico que tem de se ajustar ao mercado imobiliário, e não o contrário.  O que resta do acervo arquitetônico representado pelos primeiros casarões ecléticos foram e serão submissos aos ditames do mercado imobiliário. Esses resíduos não encontram respaldo político para serem preservados como deveriam. Mudarão de signos de protagonismo para adornos de prédios “modernos”, símbolos do progresso. Provavelmente serão os únicos resíduos que persistirão.

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