Artigo publicado no jornal Folha da Mata, Viçosa, em 20/06/2024
Há muitas diferenças entre as cidades que gostaríamos que existissem e as que aí estão à nossa volta. Não há muita coisa parecida com o que, nos anos 1950, muitos vislumbravam para as cidades. Essas seriam superpopulosas, livres de problemas sociais, com prédios altíssimos, ruas elevadas, elevadores e passarelas móveis, carros voadores, locais de diversão, muitas placas luminosas. As pessoas seriam felizes, como se mostravam inúmeras ilustrações e descrições publicadas nos jornais, revistas e nos livros de ficção científica. As cidades atuais se aproximam mais da ficção científica em que as coisas deram errado, como Soylent green, 1984, Mad Max, Blade Runner, Oblivion, Elysium e Interestelar.
Autores atuais, como a arquiteta e urbanista Ermínia Maricato, e o geógrafo Marcelo Lopes de Souza, profundos conhecedores dos problemas urbanos, os quais referenciarei neste texto, apontam as nossas cidades como cheias de problemas, dentre eles, os seus ineficientes sistemas de planejamento urbano. Nossos habitats urbanos sofrem continuamente com a ampliação dos contrastes sociais, com o acirramento da injustiça e da exclusão social. Esses são aspectos muito mais graves que congestionamentos, lixo espalhado e más condições da pavimentação das ruas. Esses fatores colaboram muito com outros problemas gravíssimos como a corrupção impune e o aumento da violência, ligada ao tráfico de drogas às milícias, assim como a falta de perspectivas e de oportunidades para muitos brasileiros.
Falar de planejamento urbano, um aliado poderoso para dar às cidades melhores condições a mais moradores, é um assunto enfraquecido. Os conceitos de planejamento e gestão urbanos ficaram oprimidos sob a égide da ideologia do neoliberalismo. O que se viu foi o “enfraquecimento do sistema de planejamento e da própria legitimidade do exercício de planejar”. A distância colocada entre planejamento e a gestão urbanos causou e aumentou problemas na administração das cidades e atendeu a vários interesses, menos os dos planejadores urbanos e daqueles que se mantiveram calados por omissão ou desconhecimento. Os planejadores tiveram de se contentar em ficar anos e anos produzindo os planos e ideais, enquanto o caminho neoliberal dita as regras.
As cidades atuais se aproximam mais da ficção científica em que as coisas deram errado,
como Soylent green, 1984, Mad Max, Blade Runner, Oblivion, Elysium e Interestelar.
O processo de urbanização produz dispersão e descontinuidade da malha urbana e segregação socioespacial. Produz vazios urbanos, favelas e condomínios fechados. Agridem, de forma perigosa e contínua, o meio ambiente, dentro das áreas urbanas e rurais. Hoje temos “uma ilegalidade tolerada pelo poder público, porque esta acaba sendo uma válvula de escape para um mercado fundiário altamente especulativo” e poderoso. Mesmo com uma legislação “atualizada”, a ocupação dos solos urbano e rural “obedece a uma estrutura informal de poder, que é a lei de mercado, que via de regra precede a leis e normas jurídicas”. A população, a cada vez que se organiza e se interessa pela participação, vê-se fragilizada por falta de interesse do poder público, ou porque, na maioria das vezes, é apenas consultada. Essas consultas que não passam do nível da cooptação (apenas para eliminar focos de oposições).
Mudar a cidade é uma tarefa coletiva, que deve ser apoiada e viabilizada pelo poder público e realizada com uma verdadeira participação da população. Vem aí, com as eleições para prefeito e de vereadores, mais uma chance de sair da mediocridade urbana. O planejamento urbano deve ser recuperado tendo, como fim principal, o bem-estar de toda a população. Cada um de nós tem seu papel a ser cumprido. A tarefa não se esgota na conquista de alguns poucos objetivos; é permanente e cada vez mais difícil. Apelo aqui para Paulo Freire, pois precisamos esperançar. Esperançar é se levantar, esperançar é ir atrás, esperançar é construir, esperançar é não desistir!
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