30 julho 2014

Na contramão dos trilhos

O Brasil na contramão dos trilhos. O país corre risco de entrar em colapso na próxima década.

Entrevista com o Urbanista Carlos Leite acerca de mobilidade urbana e o retorno dos trens urbanos e regionais.

Circular no trânsito e andar nas médias e grandes cidades serão, em breve, tarefas quase impossíveis. A situação caótica, já anunciada, só tem se aprofundado em função da opção preferencial pelo modal rodoviário. O império do pneu não pode mais adiar a decisão em favor do transporte de pessoas e carga sobre trilhos — opção estratégica já adotada pela maioria dos países, principalmente aqueles com melhores índices de desenvolvimento. O que era uma projeção de especialistas passou a ser exigência popular por um sistema de transporte público com um mínimo de eficácia. Sem a opção ferroviária, o resultado é a perda da qualidade de vida nas cidades e de competitividade da nossa economia.

O urbanista brasileiro Carlos Leite é cético ao analisar o Brasil. “Ainda não temos cidades inteligentes no país. Não se trata da falta de dinheiro, mas bons planos raramente saem do papel por falta de gestão eficiente.” A malha ferroviária brasileira, que já se aproximou dos 40 mil quilômetros, em vez de avançar, encolheu. Hoje resta menos da metade, em condições econômicas de uso. O investimento em trilhos nos últimos dez anos nunca ultrapassou míseros 0,3% do PIB nacional, enquanto nos EUA atinge 4% do PIB. O modal ferroviário patina nos 20% da matriz de transportes, absurdo para um país de dimensões continentais como o nosso. A tendência seguiu em direção contrária à necessidade nacional e ao padrão mundial.

Na Rússia, os trilhos representam 81% do transporte de carga e pessoas. No Canadá, EUA, China, Austrália e Europa, aproximam-se dos 50%. O país precisa priorizar os trilhos para melhoria urgente da mobilidade urbana e regional, assim como para desatar o nó do gargalo logístico do escoamento da produção se quisermos ter algum futuro.

E o que dizer das rodovias esburacadas e das filas de caminhões a cada ano de boa safra agrícola, pela absoluta falta de malha ferroviária razoável para escoar a produção. Perdemos competitividade no mercado internacional. O preço do frete no país é dos mais caros do mundo. O outro drama é aquele vivido por quem mora nas grandes cidades e sente na pele o inferno da (i)mobilidade. Gastam-se, em média, três horas no deslocamento diário para o trabalho ou para a escola.

O economista Marcos Cintra (FGV), estima que só o município de São Paulo perca 40 bilhões a cada ano com os engarrafamentos, em função do tempo de trabalho jogado fora e do aumento no consumo de combustível, sem falar nas perdas com acidentes e saúde pública. Os sistemas de Trânsito de Ônibus Rápido, os BRTs, moda em algumas cidades, ajudam, mas são soluções paliativas. “Os políticos preferem o BRT porque fica pronto no mesmo mandato. Uma faixa de ônibus separada numa pista que já existe não aumenta a capacidade de tráfego. Melhora, mas a infraestrutura continua a mesma”, diz Peter Wanke, especialista em transportes da UFRJ.

As soluções são efêmeras porque, na maioria das vezes, não se pensa em projetos estruturantes de Estado, mas em ações de Governo limitadas a uma gestão temporal de quatro anos e motivadas pelo calendário político-eleitoral. Nenhuma mobilidade é comparável à alta capacidade de transporte do metrô — 90 mil passageiros por hora – ou trens urbanos ou semiurbanos de superfície. O VLT — Veículo Leve sobre Trilhos, largamente utilizado na Europa, Ásia e América, pode transportar 40 mil pessoas por hora. Em tese, são 20 mil veículos ou 600 ônibus a menos circulando nas ruas. A vida útil do metrô ou do VLT é de 30 anos. Um BRT ou ônibus convencional dura apenas cinco anos.

As vantagens ambientais do trem são incomparáveis — elétricos, não emitem gases de efeito estufa. O veículo automotivo, ao contrario, é o grande vilão do Aquecimento Global em função da queima de combustível fóssil. Como pode o Brasil, segundo maior produtor e exportador de minério de ferro — matéria-prima do trilho — do mundo, não ter instalado em seu território, há mais de 15 anos, uma fábrica de trilhos para enfrentar graves problemas de logística e mobilidade que impactam negativamente no crescimento econômico e na qualidade de vida dos brasileiros?

O trem da esperança precisa partir. Resta chegar à estação dos que querem realmente desenvolvimento justo e acessível para muitos. Se a cidade parar, que seja por cidadania e busca de dias melhores; nunca, pelo congestionamento do seu presente e futuro.

http://www.cliptvnews.com.br/mma/amplia.php?id_noticia=63428

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