2 de julho de 2014
Se a interpretação equivocada do novo Plano Diretor
Estratégico de São Paulo pegar, a cidade vai ficar em desvantagem antes
mesmo de ele ser sancionado pelo prefeito. Com algumas variações, os
principais jornais paulistanos anunciaram que o plano “encoraja (ou
libera) espigões” em áreas com bom acesso ao transporte público. Na
verdade, o plano prevê que essas áreas sejam adensadas nas próximas
décadas. Chama a atenção a escolha comum de explicar esse adensamento
como um “encorajamento aos espigões”. Acredito que esteja aí um desafio
importante desse plano.
Espigão é uma palavra que pegou como
sinônimo de prédio muito alto. Talvez seja uma metáfora botânica: espiga
(de milho, trigo, cevada, centeio) é um tipo de inflorescência (flores
que crescem acumuladas em torno de um eixo) verticalizada. Uma paisagem
de espigas é tão padronizada quanto infértil. Certeza da origem da
expressão eu não tenho, mas as incorporadoras de espigões tem alimentado
minha especulação etimológica. Nas últimas décadas a cidade foi
espetada com monumentos à falta de personalidade.
Encorajar espigões não é exatamente uma
diretriz do Plano Diretor Estratégico de São Paulo. Na verdade, a função
de um plano diretor é aproximar as pessoas das oportunidades (empregos,
escolas, hospitais, mercados, áreas de lazer, transporte público, etc).
Essa aproximação precisa ser feita em duas frentes – levar
oportunidades até onde as pessoas moram e levar pessoas para morar perto
das oportunidades – até que o jogo de viver na cidade se equilibre. O
que o PDE faz é delimitar áreas estratégicas da cidade para serem
adensadas (ter um número maior de pessoas morando). São Paulo ainda é
pouco densa (7,7 mil habitantes/km²) se comparada com Londres (12 mil
hab/km²), Paris (20 mil hab/km²) e Nova Iorque (10 hab/km² – Manhatan
tem 26 mil hab/km²). Se passarmos por um bom adensamento, podemos ajustar nosso desequilíbrio urbano. Para isso, o adensamento precisa ser planejado (em áreas estratégicas como perto dos terminais de transporte público) e diverso (misturando
usos comerciais e residenciais e padrões econômicos que contemplem a
desigualdade social). Cabe pontuar que adensamento não é sinônimo de
verticalização. Barcelona, por exemplo, é uma cidade muito densa, 17 mil
hab/km², e pouco vertical, onde vários distritos limitam em 6 andares a
altura dos prédios.
As áreas de adensamento estratégico não
podem ser confundidas com um convite aos espigões. Um plano serve para
traçar um futuro desejável e, com base nele, organizar as escolhas do
presente. Nosso futuro desejável não é a replicação dos espigões, mas de
exemplos mais interessantes, como o Conjunto Nacional e o Copan. As
áreas que ganharam permissão de adensamento com o PDE precisam ser um
chamariz para um mercado imobiliário mais diverso e experimental, que
deixe um legado arquitetônico, social e ambiental positivo na cidade.
Porque, no final das contas, é o mercado imobiliário que vai construir
nosso adensamento, seja ele bom ou ruim para a cidade.
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