02 junho 2016

Barra Longa e a lama


 



Artigo publicado no Jornal Tribuna Livre, Viçosa-MG, 26/05/2016
Camilla  Carneiro e Ítalo Stephan
 
Barra Longa, pequena cidade da Zona da Mata, com cerca de seis mil moradores (em todo o município), sempre foi um lugar tranquilo para se viver. Ao amanhecer, o padeiro pendurava nas portas a encomenda para o café da manhã, antes mesmo de os moradores acordarem. Pouco depois vinha o leiteiro com sua carroça, vendendo o leite bem fresquinho. Bem o sol aquecia as plantas, as crianças circulavam nas ruas, sem medo, e andavam de bicicleta pela praça, indo ao encontro das pessoas que caminhavam m na Avenida Beira Rio. Caminheiros que se encontravam, cumprimentavam-se, sorriam... A alegria do encontro se dava na famosa pracinha central. Também era ali que casais namoravam, crianças jogavam bola, praticavam capoeira, sentavam-se na grama verdinha e eram felizes. Os adultos e os idosos também apreciavam essa beleza e o sossego de andar livremente por onde queriam. No trajeto para o trabalho, uma pequena caminhada; nada de carro ou qualquer outro veículo automotor, se tudo ficava tão perto... A paz vinha da calmaria de uma rotina serena e de uma vida saudável, sem poluição. Tantas manhãs e tantas noites vivendo nesse paraíso, podendo sair de casa e deixar as portas abertas.
O rio sempre limpo, só transbordava em época de enchentes, no verão. Mas no dia 05 de novembro de 2015, este mesmo rio (que estava com pouquíssima água por causa da seca) pediu socorro. Em plena madrugada, uma lama sangrenta trouxe para o seu leito muitas vidas humanas e de outros animais que dormiam no seu habitat. Quão difícil foi ver tantas famílias saindo às pressas de suas casas, deixando ali suas histórias, seus pertences e registros que jamais serão recuperados.
É a história que se perde. Tantas fazendas, escolas, comércios, igrejas e peças históricas, um grande patrimônio destruído pelos resíduos de minério. A pracinha tão cobiçada já não existe mais. Da Beira Rio dos caminheiros, só restaram as palmeiras erguidas pedindo socorro. A pastagem de tantos animais agora está submersa imensidão de resíduos de minério.
O tempo passa... mais de seis meses após a tragédia, pode-se ver o encontro dos rios Carmo e Gualaxo – patrimônio ambiental histórico que deu origem ao nome da cidade - com uma “barra longa” dividindo águas que choram a falta de seus peixes. Onde está aquela cidade calma, de verdes montanhas e pastagens? O sossego da casa de portas abertas já é coisa do passado. O medo e a insegurança já não são sentimentos só de pessoas de cidade grande. Cerca de setecentas pessoas estranhas (encarregados, motoristas, serventes, dentre outros) misturam-se à pequena população urbana barralonguese nas ruas, tentando reconstruir aquilo que é possível. Caminhões e máquinas de todos os tipos e tamanhos perturbam os ouvidos, tiram o sossego e afundam os pavimentos de paralelepípedos construídos há centenas de anos. A lama agora virou poeira pesada, nociva e venenosa, que prejudica a saúde das pessoas (problemas respiratórios e dermatológicos são rotineiros). Quando esse pesadelo terá fim? Sabe-se apenas que a cidade jamais será a mesma. Acredita-se que até mesmo o Caboclo D’Água, místico morador do rio, tenha ido embora com a lama.
Foto:
http://jornalggn.com.br/categoria/meio-ambiente

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