sábado, 2 de novembro de 2019

A FÁBULA DE POLITICAGENÓPOLIS



A FÁBULA DE POLITICAGENÓPOLIS 

Há muito tempo, em um reino distante, havia uma cidade chamada Politicagenópolis, onde quem mandava e desmandava eram os politiqueiros. Eles deitavam e rolavam nos lençóis de seda das mamatas e sabiam como transformar a Prefeitura Casa da Mãe Joana em fontes inesgotáveis de vantagens pessoais. Afinal eles precisavam sobreviver às eleições e manter bem cuidados seus sitiozinhos com granito, vidro temperado e churrasqueiras; para cuidarem das gordas crias, que continuariam a saga familiar para todo o sempre, se Deus quiser!

Para quem era amigo dos que mandavam e desmandavam, sobravam muitos agradinhos. Era só deixar a coisa rolar, não prestar atenção aos famintos, aos analfabetos, aos doentinhos, aos viciados e aos ecochatos, que só queriam o bem de Politicagenópolis.  Ocasionalmente, ocorria uma briguinha entre os que mandavam e desmandavam e os ecochatos, mas isso pouco chamava atenção à grande maioria desinteressada por algo além dos seus próprios umbigos.

Em Politicagenópolis, havia uma tradicional universidade, mas, segundo os que mandavam, ela mais atrapalhava que ajudava, pois trazia estudantes demais para a cidade. Por um lado, isso era bom, pois estes compravam os apartamentinhos-caixote que os mui amigos dos que mandavam e desmandavam construíam às centenas, nos topos de morros, dentro dos rios, em cada cantinho que desse para enfiar um caixotinho. Por outro lado, os estudantes faziam muitas festas barulhentas e espalhavam muita sujeira nas ruas, uma coisa terrível!

A universidade também tentava ajudar a cidade. Tentava não, ajudava, às vezes, de verdade, mas os que mandavam e desmandavam diziam que havia muralhas separando as duas  e que essa ajuda não acontecia. Só que quem erguia os muros feitos com blocos de concreto ideológico eram os que mandavam e desmandavam na cidadezinha. Esses também acusavam a universidade de ditadora (quando as opiniões divergiam) e de cobradora pelos serviços que prestava. Mas, na verdade, eles não gostavam de fazer serviços com a universidade, pois sabiam que não havia margem para que eles tivessem a chance de receber grandes fatias do bolo, para alimentar suas fomes intermináveis, causadas pelos intestinais vermes vermelhos e cabeludos da corrupção. Era melhor buscar serviços lá fora, de preferência,  na capital Belzonti ou até mesmo em Mar de Rosas, a capital do reino, onde havia muitos amigões do peito, com quem podiam contar para o que desse e viesse.


Com o tempo, era cidade prá lá e a universidade prá cá. Assim as coisas andariam em Politicagenópolis, imunes às quebras de paradigmas. Parecia que essa situação nunca ia acabar e que os que mandavam e desmandavam seriam felizes para sempre. Os que mandavam e desmandavam permitiram que a cidade fosse inchando, o mesmo foi  acontecendo com os  bolsos deles . Esticaram a cidade rica para cá; inventavam,,  pra lá, uma cidade para os pobres, que nem era cidade. Puxaram a cidade para cima, construíram shoppings, postos de gasolina, prédios comerciais. Mandaram e desmandaram;  foram, assim,  muito felizes por gerações e gerações.

Por fim, onde,  um dia fora a próspera Politicagenópolis, nada havia mais de pé décadas depois, pois os rios tomaram seus leitos de volta; os morros desabaram; as frágeis construções se desmancharam; a universidade aos poucos foi sufocada e os que mandavam e desmandavam haviam ido curtir férias no Caribe, muito tempo, antes de tudo se acabar. Quem se formava na universidade ia logo embora. Os professores foram se aposentando e se mudaram da triste cidade. Até a própria universidade foi procurar um lugar onde pudesse ser melhor aceita.


Uma das fábulas do meu livro "Fábulas Urbanas e outras lições sobre as cidades"
Ilustrações de Marianne Campos.

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